No passado dia 7 deu-se início, com pompa e circunstância, à construção do futuro Hospital de Todos-os-Santos, que vai substituir oito unidades hospitalares: São José, Santa Marta, Curry Cabral, Santo António dos Capuchos, Alfredo da Costa, D. Estefânia, Gama Pinto e Júlio de Matos, ou seja, todos os hospitais que integram a Unidade Local de Saúde São José, e que se encontram dispersos pela capital. Embora inicialmente previsto para 2012, só agora se avançou com este projecto, que consta de um edifício de quatro a cinco pisos de altura e mais de 130 mil metros quadrados. Espera-se que esteja concluído em 2026 e, em 2027, já receba doentes. O novo Hospital de Todos-os-Santos retoma o nome da mais antiga e famosa instituição hospitalar lisboeta, então sita no Rossio, e passará a servir a zona oriental da cidade.

O Papa Francisco usa recorrentemente uma muito eloquente parábola: a do hospital de campanha como símbolo da Igreja. De acordo com esta sugestiva analogia, cabe imaginar o que aconteceria a esta nova estrutura hospitalar, se fosse submetida a um processo sinodal similar ao que está agora em curso na Igreja católica.

Assim sendo, a direcção do novo hospital deveria convocar todos os médicos, enfermeiros, auxiliares e demais funcionários para uma assembleia geral, ou plenária, por forma a criar sinergias e dinâmicas operacionais de sucesso. É o que, na Igreja, se pretende com os sínodos, que têm competências pastorais, mas não doutrinais.

Como primeira medida, todos os trabalhadores responderiam a um exaustivo questionário sobre as matérias pertinentes, desde a prestação de serviços médicos até às ementas, decoração e segurança. Depois, cada serviço se encarregaria de formular uma síntese das respostas dos respectivos trabalhadores.

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Uma segunda etapa consistiria na reformulação dos relatórios pelas diferentes especialidades clínicas.  Por fim, uma terceira comissão encarregar-se-ia de juntar essas conclusões às dos outros grupos profissionais – maqueiros, socorristas, telefonistas, empregados de escritório, gestores, etc. – e elaborar um texto único que seria, por sua vez, o instrumento de trabalho da dita assembleia geral do novo hospital. Com efeito, foi assim, mutatis mutandis, o processo sinodal: a partir dos inquéritos pessoais chegou-se, sucessivamente, às sínteses paroquiais, diocesanas, nacionais e continentais, a partir das quais se redigiu o texto que serviu de instrumentum laboris para o presente Sínodo.

Poderia ser que, entretanto, um grupo de auxiliares de enfermagem questionasse o seu estatuto profissional, bem como as suas competências específicas. Com efeito, há atribuições dos enfermeiros que, segundo os auxiliares, poderiam ser exercidas por estes, que apenas realizam tarefas menores. A este propósito, o bastonário da Ordem dos Auxiliares de Enfermagem exigiria a dignificação da carreira de auxiliar e o reconhecimento oficial da designação profissional de enfermeiro-técnico, análoga à de engenheiro técnico que, por sinal, também não equivale à de simples engenheiro.

Decerto, também os enfermeiros aproveitariam a ocasião para fazerem algumas reivindicações de classe. Se são licenciados, deveriam ser tratados por ‘doutores’, como os médicos, e, já agora, usarem também o estetoscópio ao pescoço, ou no bolso da bata. Como são os profissionais de saúde que mais contacto têm com os doentes, justificar-se-ia que os pudessem auscultar com frequência, usando esse adereço, exclusivo da classe médica. Naturalmente, exigiriam a correspondente promoção em termos salariais, acrescida de um subsídio de risco, pois a extremidade metálica do estetoscópio pode ser usada, por algum paciente mais agressivo, como arma de arremesso.

É sabido que, em Portugal, não faltam médicos, mas o Serviço Nacional de Saúde não consegue atrair, nem reter, os clínicos que, noutras instituições, encontram melhores condições de trabalho e remuneratórias. Para evitar o êxodo dos médicos para instituições privadas, a direcção de Todos-os-Santos deveria satisfazer as fundadas esperanças da classe médica, criando as condições necessárias para assegurar a permanência dos clínicos indispensáveis ao bom funcionamento do hospital.

A nível político nacional, também não faltariam questões que, como a paridade, deveriam ser tidas em conta. Com efeito, se predominassem as mulheres, como pessoal de limpeza, e os homens, como agentes de segurança, seria necessário promover a igualdade de sexos nesses serviços. O mesmo se diga em relação à representação dos diferentes géneros: seria razoável que o heteropatriarcado caucasiano predominasse entre a classe médica, enquanto o matriarcado de origem africana, ou sul-americana, prevalecesse no pessoal menor?! Não seria este um inaceitável índice de uma grave distorção social, expressivo de um óbvio racismo machista?!

A lista das possíveis temáticas a ter em conta é interminável, mas as já referidas bastam para concluir que, se se atendessem todas estas exigências politicamente correctas, o novo Hospital de Todos-os-Santos, concluído em 2026, só poderia começar a tratar doentes em 2036, depois de resolvidas todas estas questões internas!

Moral da história: um hospital não existe para satisfazer reivindicações sociais, ou profissionais, por mais justas que sejam, mas para prestar um serviço à população.

Ao contrário do que pretende o clericalismo, a hierarquia, ou estrutura eclesial, não é o centro, nem a razão de ser da Igreja, nem esta existe para resolver questões de poder, ou reivindicações de género, entre os seus servidores.

A Igreja, como um hospital, não existe para si mesma, mas para os outros, para o serviço da humanidade, que não pode ser redimida senão em Cristo, que “não veio ao mundo para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20, 28). Jesus de Nazaré fundou a sua Igreja para que seja, na feliz expressão do Concílio Vaticano II, sacramento universal de salvação (Lumen Gentium, 1).

Como disse Francisco há um ano, na abertura da 1.ª sessão da 16.ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo, “não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar, nem um plano de reformas. O protagonista é o Espírito Santo. Estamos aqui para caminharmos juntos com o olhar de Jesus”. Quer isto dizer que o Sínodo, afinal, não serve para nada?! Pelo contrário: se recordar que a identidade da Igreja é Cristo, e que a sua missão é pregar o Evangelho e administrar os sacramentos, será uma grande bênção para o povo de Deus e para todo o mundo.