O jacobinismo tem grandes tradições no nosso país. Opõe-se frontalmente ao liberalismo, que nunca teve tradições estre nós. Já Herculano dizia que o chamado liberalismo português se limitava àquela parte do movimento liberal que se chama democracia e baseava-se na luta contra o absolutismo monárquico. Liberalismo em Portugal? Se entendermos por liberalismo um sistema institucional baseado na autonomia do indivíduo e de uma sociedade civil forte que pouco ou nada necessita do Estado, nunca existiu entre nós.

O que existiu sempre foi o jacobinismo. Foi ele que iluminou a 1.ª República e que muito se desenvolveu e continua a desenvolver a seguir ao 25 de Abril. O jacobinismo consiste num programa de reorganização total do Estado e da sociedade, de natureza totalitária, de acordo com um plano racional laico e «progressista» com recurso a meios autoritários, designadamente contra aquilo a que logo chama «inimigos da liberdade». Por tal entendia-se em princípios do século XX os «talassas» e outros monárquicos conluiados com o clero católico e compreende hoje os chamados «fascistas» e os «populistas», de direita, claro, o que acaba em autoritarismo.

O jacobinismo parte sempre da ideia segundo a qual quando o partido em que militam ganha as eleições, está legitimada a ditadura da maioria que os alimenta. Nada de direitos da oposição, nada de tolerância para com os réprobos que os ousaram defrontar. Toda a oposição será castigada. E a coincidência entre o partido maioritário e o aparelho do Estado é uma necessidade – «democrática», pois então! -, porque se assim não fosse ficaria prejudicada a portentosa obra reconstrutiva e radical que querem levar a cabo, apesar das incompreensões e do boicote das oposições, sempre pouco esclarecidas e maldosas, como não podia deixar de ser. Indispensável é um poder forte como o que se seguiu à revolução francesa. Até  os poucos marxistas adoentados que por aí vegetam têm tendência para abandonar cada vez mais a cartilha e enfileirarem nas convicções mais fáceis do jacobinismo, o que não admira pois que há uma ligação directa entre ele e o bolchevismo, mas isso terá de ficar para outra vez.

Em suma, logo que investido mediante as eleições, o jacobinismo nacional julga-se ungido por S. Cristóvão para utilizar a autoridade estatal a fim de tudo colocar sob o seu augusto (agora «democrático») domínio, como se a liberdade eleitoral esgotasse a democracia e não fosse necessário respeitar as outras liberdades políticas e civis ou como se estas não fizessem parte de uma democracia sã. Para o jacobinismo, nacional à cabeça, a democracia não é o máximo de respeito pela autonomia individual e da sociedade civil; é apenas a máxima igualdade dos indivíduos e quem a impõe é obviamente o Estado. Não quer saber da autonomia do indivíduo para nada, quer saber é da autoridade do Estado.

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É isto o jacobinismo português. Não é mais nada; apenas isto; a vontade de reconstruir racionalmente a sociedade e de instituir uma ordem virtuosa em nome da democracia utilizando métodos autoritários. Obviamente que o instrumento da reorganização total da sociedade é o governo, razão pela qual o jacobinismo português nunca fará nada para limitar as competências governamentais ou para diminuir a influência brutal do governo no conjunto do sistema político português e na sociedade civil.

Quando não há inimigos, e hoje não existem, o jacobinismo inventa-os porque precisa de legitimidade ideológica. Não há liberdade para os inimigos da liberdade, fórmula importada da revolução francesa mas que reproduz bem uma atitude muito vulgar no nosso país.

O jacobinismo português actual já não tem ideologia, ao contrário do primeiro jacobinismo francês e português. Como a não tem, só lhe resta agitar o espantalho da ditadura do passado e do retorno ao «fascismo», o que passa pela vergonhosa tentativa de ilegalizar determinados partidos, a pretexto de inimigos da «liberdade» e outros dislates, pelo medo artificialmente criado do «perigo» que corre a democracia logo que as eleições não são ganhas pelas forças «progressistas», por imputar qualquer recuo eleitoral a maquinações cavilosas da «reacção» e pela utilização do insulto como arma política; como já não é possível medir e pesar a capacidade craniana dos reaccionários e dos padres como o partido democrático fazia durante a 1.ª República, diz-se agora que os resistentes ao socialismo são tudo quanto há de mais baixo – até já se escreveu que batem nas mulheres, são alcoólicos e maltratam os animais. Estamos sempre a ouvir enormidades destas. E a comunicação social amplifica-as.

Há uma forte componente autoritária e intolerante no jacobinismo português. Ficou-lhe do ideário do partido democrático de Afonso Costa e passou para a actualidade. É verdade que a constituição portuguesa – ao fazer do Estado o redentor da sociedade civil, porque lhe confere importantíssimas funções económicas e sociais, e ao nada esperar daquela – proporciona o totalitarismo jacobino, pois continua a dar ao governo todos os instrumentos de autoridade para levar a cabo a obra de reconstrução da sociedade.

A faceta mais radical do jacobinismo português nunca foi nem será liberal, a outra só finge sê-lo quando está na oposição, para logo voltar às suas convicções autoritárias e totalitárias quando está no governo. Não tenham ilusões.