1 De repente até tenho medo de ir na rua e cruzar-me com mais alguém que me informe que também se candidatará à Presidência da República, assim sem mais. Só me lembro daquele Jardim da Celeste que havia num conto infantil. Os jardins do Palácio de Belém travestizaram-se no Jardim da Celeste onde entre outras fantasias se pode agora ver um carrocel de candidatos presidenciais a viravoltear, uns já la sentados a marcar lugar, outros entrando numa catadupa apressada, outros com o pé na soleira do carrossel, entro já? não entro?
2 A treze meses de distância o mínimo que se pode dizer de racional é que a actual animação do jardim dificilmente terá uma consequência directa. Está tudo naturalmente em aberto além de que como se sabe, a política não perdoa os maus timings mesmo que o casulo mediático rejubile. É natural, o espectáculo apela ao seu próprio registo. Ninguém, porém, em qualquer dos nossos estratos e patamares sociais e políticos parece preocupar-se com o que aí anda, nem afligir-se com um toldado ar do tempo politico-partidário. De que um dos sinais é o que sucede com aquela parte não contabilizada do país que surpreendentemente mostra uma misteriosa devoção pelo candidato sentado na girafa do carrossel. Se Guterres também andasse montado no urso ou na zebra diria que “era a vida” e pronto. Não é. É a anti-política e é péssimo. Independentemente, claro está, dos méritos militares de Gouveia e Melo (não é disso que se trata).
3 Talvez por isso dou comigo como se estivesse perdida no meio de uma grande casa que conheço bem mas onde subitamente quase nada lá dentro encontro ou sequer reconheço. Começar por onde para escalpelizar a estranheza? Pelo embaraço de alguém ser subitamente elevado à glória – sem razão aparente, propósito declarado? Nem sombra de experiência? Porque a “rendição” aparente de parte da plateia do país sinaliza antes do mais a disponibilidade dos portugueses em distanciar-se – senão em punir – os partidos políticos, a vida democrática partidária, o regime numa palavra? Trocando-os por algo de tão por enquanto indefinido mas que se antecipa como definitivamente perigoso? Pelo constrangimento de ao fim de décadas de convivência com algumas pessoas com quem partilho um certo entendimento “da” política vê-las hoje irresponsavelmente a justificar uma escolha militar onde todos os argumentos se confundem e o perigo não se vê?
4 É complicado isto de passar de repente à condição de “estranha” quando subitamente se testemunha nos écrans, nas salas ou na rua, a supostamente declarada afeição de parte do país a uma farda da qual justamente pouco se sabe e quase nada se reteve a não ser o cumprimento do dever (há mais portugueses do que apenas um único a cumprir naturalmente os seus deveres.)
Se parte de Portugal não teme que lhe passem um atestado de menoridade por escolher alguém para a mais alta função do Estado baseado no modesto ex-libris de uma “campanha de vacinação” – quando militarmente havia bem mais mérito do que esse “feito”, é lá com ele – a liberdade é um bem preciosíssimo e o voto também. Mas que se estranha o desconhecimento, de parte a parte, alias, do que significa a Presidência da República e a chefia de um Estado, é verdade.
5 Ninguém se candidata sem um mínimo (de preferência mais que um mínimo) de estruturas, apoios, gente. Falando de partidos por exemplo, à excepção da hipótese do Chega, não vejo qualquer dos outros partidos políticos na figura de “fornecedor “de nenhum destes “serviços” de apoio eleitoral. E, claro, muito menos ainda o PSD e o PS, mesmo que aqui ou ali alguém se venha a deixar tentar pela aventura. Ou que haja socialistas ou sociais-democratas que considerem terem sido salvos da Covid por um militar e lhe queiram agradecer com um voto. Digo isto sem a menor ironia mas sabendo que nas direcções de um tão forte eixo partidário como são o PS e o PSD a resposta é não. Nas esquerdas também. Resta o Chega? Não sei ,mas penso nisso. O que sei é que há demasiado tempo a percorrer até á meta. Seja como for quando se fala de um almirante a navegar para a doca de Belém, julgo que pode ser também do Chega que se trata. Era bom que ficasse claro que no PSD e no PS é mais depressa em contra almirantes que se centra a questão. Ou melhor, a questão de um debate essencialíssimo para o futuro de Portugal.
6 Uma simples pergunta: Não se pode pedir ao governo que emita um som, diga uma palavra, produza uma frase sobre Moçambique? Estivemos lá quinhentos anos, falamos a mesma língua, sabemos quem somos. Não – por favor! – nunca seria uma ingerência. Seria uma obrigação. Nossa, antes do mais.