Pergunto-me, em muitos momentos, qual pode ser, hoje, o lugar do pai dentro duma família. Ele não é, de todo, o “pai tirano” doutras gerações. A referência distante, muito pouco envolvida nos momentos fundamentais do crescimento dum filho mas actuante quando se tratava de “educar”, essencialmente, pelo medo, pela intimidação e pela força. Nem o pai “encarregado de educação” do “poder paternal” que, sem ter os exageros do “pai tirano”, passaria pelo pressuposto que a “lei do pai” seria mais austera e, sempre que necessário, prevalente sobre a “lei da mãe”.

Hoje, o pai já não se barrica no “olhar do pai”, mais agreste, que colocava os filhos, independentemente da idade, mais ou menos “em sentido”. Nem se ancora em expressões como: “precisamos de ter uma conversa!” que traziam uma distância muitíssimo maior entre o pai e os filhos do que aquela que, esse mesmo pai, anos mais tarde, não tem, em relação aos seus netos, enquanto é avô. Conseguindo ser, nessas circunstâncias, ternurento, cúmplice, “fofo” e atencioso como não terá sido quando era “só” pai.

A verdade é que os dois formatos de cuidar que um pai, geralmente, tem enquanto pai e avô, parecem dar a entender que o pai assume, sem dar por isso, uma postura “apagada” em relação ao papel da mãe. E um espartilho de maior distância e de maior contenção, quando se trata de ser “só” pai. A mãe “esganiça-se” mas envolve-se em todos os momentos dum filho. Intervém, opina, exige, repreende e faz questão de ser “uma primeira figura” no crescimento dele. O pai alimenta alguma distância em relação a todas essas tarefas, como se elas fossem para além do seu papel de pai. Coloca-se como “terceiro” na relação entre a mãe e o filho. Alimenta (voluntariamente) a ideia de que será distraído e só intervém “a pedido” ou quando “toca a polícia”. E não contraria quem comenta que só consegue desenvolver uma tarefa de cada vez. Por mais que brinque. Que não esconda a sua bondade. Nem que deixe de intervir, convergindo para uma paridade com a mãe que, em boa verdade, acaba, ainda, por não ter.

Eu não acho que hoje faça sentido falarmos duma função paterna. O amor de mãe e o amor de pai não têm que ser decalcáveis. Eles são indispensáveis e complementares, seja qual for o formato de cada um. Mas se a função da mãe não mudou muito desde há muitos séculos, a do pai parece estar numa certa encruzilhada. Qual é o lugar do pai, hoje? Será dele a autoridade mais relevante? Deverá continuar a ser uma figura mais “apagada” que a mãe? Não deve ser tão paritário em tudo, por mais que os primeiros tempos duma relação mãe / bebé a faça reclamar mais vezes por um vínculo que o pai parece não exigir para si, também? Pode ele ser tão mãe como a mãe, sem deixar de ser “o pai”?

São muitas destas as questões que o pai hoje alimenta, mais ou menos em silêncio. Como se não fosse muito clara a linha que separa o pai que ele  teve do pai que quer ser.

Eu entendo que o pai deve reclamar a paridade não só quando se discute a responsabilidade parental, quando se declara um divórcio. É urgente que ele não deixe de ser tudo o que sente que faz sentido para ele. Homem. Guerreiro. Audaz. Matreiro. Bondoso. Justo. Etc. etc. etc. Sem nunca deixar de reclamar para si um papel e uma função que, atendendo ao lugar do pai ao longo da história, será, hoje, mais aberta. Mais matizada. Mais criativa. Mais inventiva. Mais serena. Mais justa. Mais interventiva. Mais falada. Mais clara. Mais “mãe”. Mas, hoje como antes, fazendo dele a pessoa absolutamente indispensável como só um pai consegue ser.

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