Outro dia prendi meu dedo na janela de casa e realmente achei que ia desmaiar de dor. Aos tropeços, corri até o congelador, enfiei minha mão inteira no meio dos pacotes de peixe e frango e apoiei a testa na porta do frigorífico, suspirando de alívio e angústia. Durante aquela tarde, o dedo seguiu latejando e as compressas de gelo seguiram se fazendo necessárias. Mas eu já sabia qual seria o roteiro: no dia seguinte a dor aliviaria um pouco, no dia subsequente aliviaria ainda mais. Talvez a unha ficasse roxa. Mas eu sabia que a dor diminuiria aos poucos.
E de tantos dedos prensados em móveis e tantas topadas nas quinas das mesas, acabamos por tentar utilizar esse raciocínio na melhora progressiva da dor até em circunstâncias nas quais isso não faz sentido algum. E o luto talvez seja a circunstância principal na qual criamos expectativas de uma melhora progressiva que, na realidade, não tem chance alguma de acontecer – pelo menos não na velocidade que o mundo acha que deve acontecer.
É frequente ouvir pessoas dizerem coisas como “o tempo cura todas as dores”, como se fosse possível virar páginas de um calendário e, subitamente, o desamparo, as saudades e os traumas começarem a desaparecer do nosso campo de visão. Falam como se o luto fosse uma escada de ângulos retos, que subimos aos poucos até chegarmos num suposto topo onde nos aguardam a cicatrização, a serenidade e uma boa saúde mental. Aprendi na marra que não é bem por aí.
Minha psicóloga me disse que todo luto (o fim de um casamento, a perda de um ente querido, uma partida de alguém que não retornará) é um processo semelhante a sair de uma cidade depois de um terremoto avassalador. Não é simples como subir uma escada. É preciso desviar de escombros, pegar atalhos, voltar um pouco para trás, subir em entulhos, descer dos entulhos, se perder, se encontrar. Acima de tudo: você não sabe qual é o caminho certo, qual a rota mais curta ou o que encontrará ao longo do trajeto. Você só pode seguir caminhando.
O tempo, sobre o qual tantos falam, é quase sempre o tempo de Chronos. O tempo cronológico, que aprendemos desde crianças a contar nos relógios e nos calendários. Pouco nos ensinaram sobre o tempo de Kairós, que não tem a ver com números, mas com qualidade de vivências. Entendi que no luto não se pode recorrer a Chronos. É preciso recorrer a Kairós. Pois sem reflexão, sem afeto e sem apoio de saúde mental, podem se passar anos sem que haja qualquer evolução nas nossas dores. Mas com vivências conscientes, com diálogos construtivos e com acolhimento, pode-se evoluir muito em poucas horas.
Mas o fundamental é saber que não pode haver pressa. Até porque a perda de alguém que se ama é algo que vai nos acompanhar pelo resto da vida. Nunca se deve presumir que o passar dos meses é sinônimo de cicatrização – sobretudo quando estamos falando do luto dos outros. Pode haver meses de estagnação e uma evolução enorme depois de um simples sonho ou de uma determinada sessão de terapia. E não nos esqueçamos de que podemos regredir mais tarde, também. E tudo isso faz parte do processo. O luto não é uma linha reta.