Recentemente disse a uma amiga que sinto saudades de Paris como sinto saudades de uma pessoa. As temporadas em que vivi na capital francesa me fizeram nutrir por ela uma afeição de contornos bastante humanos – há aquilo de que gosto e há também o que detesto. Há falhas e deslumbres. Há dias em que me imaginar lá é o que há de melhor e há dias em que não há nenhum desejo tão intenso de presença.

Acontece que depois dos meus quase 8 anos em Portugal, indo para São Paulo várias vezes ao ano, hoje o cenário se inverteu. A base se colocou em São Paulo e as idas a Portugal é que são várias ao longo do ano. E, como não poderia deixar de ser, algo mudou dentro de mim.

Já escrevi muitas cartas elogiosas a Portugal. Também já fiz minhas críticas (pero sin perder la ternura jamás). Mas talvez essa seja a primeira fase em que eu sinta o que sentem os tantos portugueses expatriados ao redor do mundo. Talvez esse seja meu primeiro verão assistido de longe, com um misto de saudades e de inveja. Talvez esse seja meu primeiro texto nostálgico, apesar de não haver nenhum tipo de rompimento.

Sinto saudades do céu português e da forma como ele parece ser mais extenso e mais luminoso do que o céu de qualquer outra parte do mundo. Sinto saudades das frutas do verão, das cerejas, dos alperces, dos morangos graúdos, dos figos inacreditavelmente doces. Sinto saudades dos dias longos, do sol que se nega a ir dormir, convencendo as nossas crianças de que elas também não deveriam estar na cama.

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Sinto saudades dos portugueses refilando sobre qualquer coisa. Dos portugueses falando no diminutivo. Saudades dos cafés barulhentos e apressados pela manhã. Saudades do por do sol alaranjado, rosado ou arroxeado, consoante o dia. Saudades dos melros que aparecem sem aviso e desaparecem quase que por magia.

Sinto saudades até de uma simples tosta mista, com um certo exagero de manteiga. De uma garrafa de Ucal. De umas azeitonas pretas sem caroços. Do pão fresco que chega antes da refeição e da manteiga com alho na pequena embalagem plástica. Sinto saudades dos restaurantes cujas sobremesas seguras e despretensiosas são leite creme, bolo de bolacha e arroz doce.

Em outros lugares do mundo também há céu. Há tosta mista. Há achocolatado. E também há pessoas refilando. Mas não é a mesma coisa. Portugal não é o único sítio onde há verão. Nem é o único onde há natal. Mas existe algo de diferente. Eu sempre tive saudades de São Paulo. Mas as saudades de Portugal sabem atingir uma outra parte do peito.

Descobri que sinto saudades de Paris como quem sente saudades de uma pessoa – um grande amigo, quiçá um irmão. Mas percebi que sinto saudades de Portugal como quem sente saudades da própria mãe. É um patamar diferente. É um vazio muito mais árido e muito mais difícil de digerir.