1 Mais ainda do que indispensável a eleição do próximo líder do PSD é em si um acto político seriíssimo. Mais do que uma escolha, uma oportunidade, uma rotina ou até um hábito — quantos anos já leva o PSD destes psicodramas? — não é disso que se trata. E não é um psicodrama. Nesta particular ocorrência, neste particular tempo histórico, neste particular xadrez partidário em que se transformou o espaço á direita do PS, trata-se do país (mesmo que não pareça).
E não sendo nada indiferente votar em A ou em B (já lá vou), o que interessa é saber se as costas do vencedor serão suficientemente fortes para carregar a pesadíssima mochila da alternativa. A equação é naturalmente a única que serve esta eleição: ou o PSD deixa de ser o inconvincente e inoperante maior partido da oposição para passar a ser o melhor partido da alternativa, ou nada feito.
Ou faz o obrigatório “dois-em-um” pelo qual se espera há anos — 1) olhar para dentro de si mesmo e perceber o que vê; 2) abrir uma janela para deixar entrar o “outro”ar de que precisa para se reconstruir – ou nada feito.
Nada feito em lugar algum — nem no recomendável equilíbrio da vida democrática do país; nem no centro e na direita; nem no próprio PSD que passará a ser uma memória em vez do motor de arranque das carruagens que terá que conduzir. Ou alguém está a ver hoje, ou daqui a dois anos, ou seja quando for, a Iniciativa Liberal, o Chega, ou o CDS quando ressuscitar, a liderarem o centro-direita e a direita em Portugal? Ninguém, pois não?
2 A corrida do PSD só poderá marcar, interpelar, mudar, se souber travestir-se na corrida da alternativa e não em mais um galope para nova liderança. O enésima galope.
Não há confusão possível entre a natureza, a importância e o desafio de eleger um presidente e meia dúzia de tenores e a eleição de rumos capazes de inconfundivelmente conduzirem a outra e melhor rota alternativa. A empreitada, é certo, exige a abertura de (muito) hostis e duras frentes de combate e por isso, não destinadas a qualquer um: da compreensão da crucial indispensabilidade de reformas ao cumprimento escrupuloso do mandamento número UM que tem de ser o crescimento económico — único decisivo instrumento capaz de colmatar persistentes desequilíbrios e domesticar um fisco imoral* — até à reconfiguração do Estado, da sua populosa administração, da sua selvática burocracia, nada é fácil. Nem consensual e ainda menos popular. O PS pouco (ou nada?) fez, o PSD foi destreinado, fizeram-no esquecer que era convicto e que foi um grande reformador. Infelizmente porém o estado da arte reclama mais que prioridades acertadas e destemor reformista. Reclama por exemplo que o próprio PSD perceba que só sobreviverá como grande partido se mostrar na eleição que é o primeiro a perceber a relevância que tem para o país. Sim, há um governo e uma maioria parlamentar que garantirão alguma estabilidade em algumas políticas. Mas não nos iludamos, o PS parece-nos sempre mais interpelado pelo hoje do que pela sustentabilidade do amanhã. Como se o futuro estorvasse a governação ou destoasse das suas prioridades partidárias. Convinha que o PSD se mostrasse à altura do futuro sem o disfarce de uma trivial demagogia ou de tiradas ocas. Caso contrário baixaremos de divisão mais depressa e por mais tempo.
3 Falando da sociedade portuguesa, que dizer dos cânones ditatoriais com que um conjunto de minorias – aplaudidas de pé pelo politicamente correcto e trazidas ao colo da media – querem formatar mentes e almas a começar logo na escola publica? Forçando uma permanente revisão da história, impondo adulterações sobre o passado? Introduzindo matérias descabidas nos currículos que chocarão mais que elucidarão alunos de 8 e 9 anos? Humilhando dentro mas também fora da escola o exercício da autoridade e fazendo dela o mais timorato e envergonhado dos exercícios?
De caminho vão-se abolindo valores com a ficcionada mas obscena acusação de que são racistas, fascistas ou etc, como ouvimos apregoar com insuperável rancor ( para além da flagrante falta de senso e verosimilhança). Qualquer dia há tantas falhas tectónicas no chão da nossa sociedade que deixará de haver chão.
Dir-se-á que no país, na sociedade, nas comunidades, há males, deformações e aberrações vistas como de fora do perímetro de acção de um candidato partidário. Ou que levarão o cidadão comum a pensar não ser esse o combate ou o “trabalho” político que norteia ou“recheia” uma candidatura partidária.O que julgo é que em tão baixa maré, só o PSD – dispenso-me de explicar porquê – pode e deve sinalizar também a sua preocupação face ao que tal baixa maré vai deixando à vista. De novo é capaz de não ser popular, não dar votos, não trazer glória mediática. Pior será porém este silencioso e desistente contemporizar com uma sociedade e seus societários que comem tudo o que se lhes dá (e muitos ainda louvam os cozinheiros por tão indigesta gastronomia).
4 E os candidatos? Jorge Moreira da Silva tem currículo mas não tem liderança, esmorece as plateias; o melhor do PSD contou com ele com gosto (embora algum desse “melhor” pareça ser hoje para ele um estorvo mais que ter sido um serviço ao país). A sua muito natural ambição de liderança é, sabemo-lo, já antiga. Nunca conseguiu concretizá-la por falta de apoios. Chegaram agora de supetão, na bandeja do rioismo. Moreira da Silva pesou essa cabazada de votos, saiu de um bom lugar internacional (chapeau!) e avançou. Fez bem, a política precisa de decisão e dádiva numa candidatura, mesmo se no seu caso, muito servida pelo uso de uma “linguagem” de funcionário internacional (como estará o PSD a lidar com isso?). Tendo Moreira da Silva justamente muito a haver com uma grande parte do universo do PS ao nível das afinidades europeias — agenda, metas, circulação de informação, bastidores, preocupações, objectivos — tem concedido ao Chega a importância que ele não tem. Mas isso seria o menos. O mais é que ao longo da campanha o candidato nunca pareceu incomodado por aí além com a soma dos nefastos erros e males políticos que vinham atrelados aos votos rioistas. Terá havido porventura quem tenha ficado esclarecido. Melhor assim.
5 É suposto que Luís Montenegro tenha maiores e mais sólidos apoios internos que o seu rival. Mas os “supostos” são sempre desaconselháveis em política. Não há como ela para esbanjar surpresa. Que Luís Montenegro foi assertivo e combativo na difícil liderança da bancada parlamentar do PSD+CDS do tempo da troika, não foi “suposto”, foi uma realidade. Sucede que a indiscutibilidade de Passos Coelho, como líder do PSD e chefe do governo, tornou-lhe a tarefa menos penosa: havia um maestro que dirigia instrumentos e instrumentista. Hoje Montenegro está entregue a si mesmo, é nessa responsabilidade e nessa exigência que reside tudo: será capaz? Sou incapaz de dizer.
Talvez tenha aprendido. Como aprendeu a não se comover com a media e ainda menos a depender dela. Ou a saber resistir — até aqui pelo menos – a não se deixar capturar pela imposição das agendas ou dos clichés da espuma dos dias. Não é mau sinal. Chega? Também não sei (nunca sou optimista em política).
6 Tudo isto que não é pouco se torna ainda mais duro,hostil, complexo, quando se sabe, repito, que é necessária riqueza no país. Mais rejuvenescimento, educação, equilíbrio. E, também repito, menos fracturas civilizacionais abertas pelo que de demencialmente irracional é lançado todos os dias sobre o comum de atónitos cidadãos. Impossível tarefa? Admito. Com a dimensão que por um lado atingiu a hegemonização do PS no país e por outro com a imposição dos credos vigentes, a tarefa pode ser inglória. É porém incerto que o seja. Verdade é o longuíssimo, certamente exaustivo e provavelmente desanimador caminho de pedras que se abrirá ao candidato vencedor. E lhe exigirá por isso um alto grau de exigência e resistência e claro uma oposição sistemática e não a tibiamente avulso. Ah! e lhe reclamará ainda essas boas maneiras cívicas face às previsíveis (e armadilhadas) mentiras que serão semeadas a eito — pelo poder, pela media, pelos interesses, pelas redes sociais, pelos fortes, os fracos, os oportunistas – no chão da democracia. Fora de portas também há estas sementeiras. Mas é intramuros que estamos.
Seja como for, mais ou menos complexo, mais ou menos longo, o próximo eleito só abrirá a porta de um novíssimo ciclo político no centro e na direita se adubar cada ramo da grandíssima árvore reformista que o país precisa de ver crescer. Eu sei, o povo, os militantes, os eleitorados, os portugueses, abominam reformas. Saberão que se elas não ocorrerem e se não se inverter esta marcha humilhante, ficaremos ainda mais miseravelmente hegemonizados por décadas?(hegemonizados e não mexicanizados, conforme a meu ver se tem erradamente apontado e hei-de voltar a isto em breve).
Talvez conviesse não esquecer – aos interessados, claro – que uma baixa expectativa é sempre uma desistência acomodada.
Digo isto para lembrar que ao contrário dos snobs intelectuais que se enjoam com o PSD e dos “cultos” que o pretendem arbitrar, quem se desqualifica diariamente com este andar da carruagem é o país, mais que o PSD. E claro, quem se menoriza, numa inoperância envelhecida e resignada é o regime democrático.
Mal servida pátria esta.
* As “autoridades” estão refasteladas no turismo que voltou. Eu não me embriagaria com tão pouca garantia de futuro — digno desse nome, claro – e basta pensar na população jovem que se esforçou e estudou. Que solidez ou valor acrescentado há no aparente amparo de hotéis e esplanadas cheias enquanto as empresas que produzem riqueza estão a meio gás (ou talvez a agonizar agora que acabam moratórias e apoios?).