Rita Rato na versão editora de notícias. Rita Rato nunca teve tempo para ler algo sobre o Gulag. Nem um livro, nem um folheto, nem uma brochura. Nada. É de facto estranho mas mais estranho é constatarmos que muitos jornalistas nunca têm tempo para ler algo que saia fora do que está no top das redes sociais. Por exemplo, fomos detalhadamente informados que Thierry Henry permaneceu ajoelhado  8 minutos e 46 segundos, aquando do jogo entre o Montreal Impact, equipa treinada por Thierry Henry, e o New England Revolution. Pretendeu dessa forma o ex-futebolista francês homenagear George Floyd.

Curiosamente ou melhor dizendo cumprindo uma rotina que já cansa, nem jornalistas, nem artistas, nem desportistas se detiveram para lembrar Philippe Monguillot, motorista francês de autocarro espancado barbaramente (acabaria por morrer) no fim de semana passado, simplesmente porque pediu a uns passageiros para usarem máscara e validarem os bilhetes. Nesse mesmo fim-de-semana também em França, uma mulher-polícia e desportista, Mélanie Lemée, foi morta por atropelamento por um condutor que recusou parar numa operação stop. Tanto quanto se sabe nem os jornalistas nem Thierry Henry nem qualquer outra celebridade da Terra, homenagearam esta jovem de 25 anos. Mais, os mesmos jornalistas que divulgaram os nomes e as fotografias de Derek Chauvin e dos outros polícias responsáveis pela morte de George Floyd omitem os dados sobre a identidades dos responsáveis por estas mortes: Mohamed C., Moussa B. et Sélim Z no caso de Philippe Monguillot e Yassine E. no atropelamento de Mélanie Lemée.

Temos tanto direito e dever de olhar o rosto de Derek Chauvin como os de Mohamed C., Moussa B., Sélim Z e Yassine E. Ou não?

Mas tal como Rita Rato, muita gente não lê nada que possa destruir a sua visão do mundo e abalar aquelas certezas que lhes dão sentimento de pertença. Pior, se puderem (e cada vez podem mais) impedem os outros de ler, ver e ouvir algo que os leve a pensar doutra forma.

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Rita Rato na versão Fernando Medina. Na República Socialista Portuguesa, ou mais concretamente na sua capital, cobram-se taxas e mais taxas que nunca são suficientes para sustentar esse sorvedouro de dinheiro que é a autarquia lisboeta onde, convém recordá-lo, a geringonça começou muito antes de se ter transformado em modelo de Governo.

Fernando Medina preside, sempre sorridente, a uma cidade de papelão com ruas pintadas (para quê?), muitos murais (quanto tempo vão durar?) e “faz de conta que andamos todos de bicicleta”. Medina espatifa o dinheiro dos contribuintes com o à vontade de quem tem uma vida profissional dentro do mundo protegido do Estado: há sempre dinheiro e, desde que se consigam bons títulos, nunca há problemas. Gozando da protecção mediática dada aos candidatos a candidatos, mais a mais se forem de esquerda, Fernando Medina é um dos menos escrutinados políticos portugueses: casos aberrantes como o do Hospital CUF Tejo cujo impacto na paisagem é absurdo passaram sem lhe causar qualquer mossa no eterno sorriso. (O que será feito dos frenéticos apoiantes do “Zé, que fazia falta” que entravam em transe ao pensar que uma escavadora ia fazer um túnel no marquês de Pombal? Não têm ido a Alcântara?)

Sobre os sucessivos programas que o presidente da autarquia lisboeta anuncia para o mercado de arrendamento na capital menos perguntas se fazem: como é possível que se avance com programas como o renda segura, que prometem tudo e mais alguma coisa aos proprietários? Quanto custa aos contribuintes uma casa nestes programas? Qual o interesse social destas intervenções? E para quando uma avaliação das consequências da incapacidade da CML para gerir a habitação municipal? Fernando Medina tem um entendimento soviético da cidade: decide em função da ideologia e não da realidade. No final o objectivo é sempre o mesmo: aumentar e alargar a intervenção estatal.

Rita Rato na versão intérprete da linha justa. Tendo em conta a experiência de Rita Rato a manter um ar seráfico quando confrontada com dados que desfazem a sua visão sobre a Venezuela ou a China enquanto países livres, proponho que, a par da direcção do Museu do Aljube, Rita Rato instrua o Governo sobre as técnicas a usar para explicar aos portugueses que não houve qualquer caos na gestão das reuniões no Infarmed, as tais que eram fundamentais, para em seguida irem acabar e agora talvez sim ou talvez não Ou como abordar o estranho caso do milagre português que era o espanto do mundo e que deixou de ser milagre não porque o Governo tenha falhado no desconfinamento mas sim porque o mundo, tal como Lenine ambicionava, se tornou ateu. Pessoalmente peço-lhe encarecidamente que assessore o senhor ministro dos Negócios Estrangeiros. Afinal a gestão do absurdo é algo em que os estalinistas são exímios. Por uma questão de sobrevivência. No literal sentido do termo na velha URSS. E na sua forma material naquilo que foram as democracias liberais. Seja como for, veja se consegue que o Governo faça um comunicado, pode ser críptico como aqueles do PCP sobre a queda do Muro de Berlim, a explicar se isto é mesmo assim: o Governo quer, exige e reivindica que venham milhares de turistas do mesmo país, a Inglaterra, que o Governo garante estar 28 vezes pior que nós no balanço da pandemia de Covid? É isto? Obrigado.

Rita Rato na versão Pedro Nuno Santos: a falta de curriculum de Rita Rato para ser directora do museu do Aljube (ou de qualquer outro museu) parece-me notória mas em matéria de curricula a questão não é tê-lo ou não tê-lo mas sim presumir dele. Desconheço como Rita Rato vai enfrentar as críticas de que está a ser alvo. Recomendo-lhe contudo que ponha os olhos e os ouvidos em Pedro Nuno Santos que é uma pessoa que, tal como ela, Rita Rato, não tem outro curriculum além dos diferentes cargos políticos que tem ocupado. Pedro Nuno Santos após ter querido fazer tremer as pernas dos banqueiros alemães, pretende agora, a partir da sua experiência na compra de sucata, dar lições sobre como fazer grandes negócios a outros países e empresários. Para consolo da Rita Rato resta-lhe esta espécie de vitória moral: por muito desastrosa que seja a sua gestão do museu do Aljube ela nunca causará aos portugueses o prejuízo que a intervenção de Pedro Nuno Santos na TAP já lhes está a custar.

Rita Rato na versão directora do Museu do Aljube. Nem sei que outro cargo mais adequado pode haver para Rita Rato. E não estou a ser irónica, apenas realista.

Em primeiro lugar, a visão selectiva da História não precisou que Rita Rato chegasse à direcção do Museu do Aljube para acontecer. Como Eduardo Cintra Torres chamou a atenção “Ao limitar o seu programa a 1926-1974, o museu escorraça o passado de muitos e muitos milhares de portugueses, conhecidos e desconhecidos, que lá passaram como presos políticos” pois o Aljube, prisão desde a Idade Média, recebeu presos políticos a partir da I República e não apenas a partir do Estado Novo.

Por outro lado, vários destes espaços a que chamamos museus e centros de interpretação funcionam como espaços de exaltação do PCP e seus compagnons logo com a escolha de Rita Rato apenas torna óbvio o que está subentendido.

Por fim, novos horizontes se rasgam pois fomos informados que a programação proposta por Rita Rato para o Museu vai abordar as “temáticas de liberdades contemporâneas, como as questões de género”. No caso aguarda-se e exige-se que Rita Rato faça uma abordagem de género à situação das “companheiras” nas casas clandestinas do PCP. Ou à vida dos seus dirigentes durante a ditadura. E na democracia. Tenho a certeza que será uma programação abundante, rica e muito motivadora.