Charles Darwin terá escrito, na sua obra prima Origem das Espécies, no século XIX, que os animais habituados a viver em ambientes onde escasseiam os recursos mas abundam os seus compatriotas, onde a sobrevivência é mais desafiante, quando migram para outras regiões ou territórios onde há recursos em abundância e pouca competição dominam naturalmente.

Isto vem a propósito dos candidatos a estagiários oriundos do Norte da Europa e dos oriundos de Portugal, para a Comissão Europeia. Contou-me alguém que avalia candidatos há vários anos que os primeiros, por regra, aos vinte anos já fizeram uma meia dúzia de câmbios, estágios e voluntariado pelos quatro cantos do globo, enquanto os candidatos portugueses estão contentes com o bacalhau à Gomes de Sá, os banhos de sol, e o vinho verde.

É sempre uma experiência formadora viver no estrangeiro, sobretudo nos países mais desenvolvidos que Portugal. Respira-se outro ar. Rapidamente nos apercebemos que em Portugal as pessoas estão como que embalsamadas, embevecidas pelas overdoses que recebem de vitamina D pelo ano fora.

Como se o país estivesse parado no tempo, agarrado a um passado que não volta e baseando o seu autorretrato nesse mesmo passado histórico, um exercício de amnésia seletiva pouco saudável. O nosso relativo isolamento geográfico também potencia este estado mental de separação psicológica do mundo desenvolvido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Outra característica algo triste, para além do ex-primeiro ministro que permanece em liberdade, é o hábito de nos referirmos ao pouco que temos como “melhor do mundo.” Tudo em Portugal é (ou foi) o “maior,” “melhor,” “[insira o adjetivo aqui]” do mundo. Só que não é. Basta ir viver para países mais ricos para o perceber.

O tempo está parado em Portugal. Os anos passam a correr uns atrás dos outros sem que uma pessoa precise de fazer muito para estar fisiologicamente satisfeita, devido ao já referido estio quasi permanente – aliado à paisagem de uma beleza estonteante e à qualidade sublime da gastronomia nacional.

Ora, se uma pessoa passar um longo inverno escuro, frio, e molhado sem fazer nada rapidamente fica deprimida. Como que precisa de fazer algo para se sentir bem. O frio e a escuridão, pois, potenciam a produtividade.

Para além da litania de maleitas nacionais acima enumeradas, adicionaria um pouco saudável apego a ideias políticas radicais. Aqui em Bruxelas os estagiários na Comissão mais radicais, que afirmam que Lenine não foi um ditador e que, pelo contrário, o veneram, são portugueses. Cantam a “Grândola, Vila Morena” depois de beberem alguns copos, como se a liberdade de que usufruímos hoje nos tivesse sido outorgada pelos capitães de abril que, com muito poucas exceções, demonstraram ter pouco apego à liberdade.

Portugal permanece aquele filho adolescente rebelde que professa apego ao comunismo para dar nas vistas e ser tido como iconoclasta – com o pequeno senão de esse iconoclasmo só ser mantido, desde 25 abril 1974, por dinheiro vindo dos países europeus mais ricos que nós. Afinal, foram os empréstimos negociados por Mário Soares em 1977 que pagaram o “carnaval” que não acabou em 25 novembro 1975, e o hábito de censurar socialmente qualquer pessoa abertamente de direita nunca mais nos deixou, desde os tempos dos saneamentos e dos boicotes aos comícios.

Quer sejamos a favor do estado social ou não, uma coisa parece inegável: para financiar um tal estado, seja ele nos moldes que hoje temos e que já deram mais que sinais suficientes de precisar de ser reformados, ou noutros, é preciso que se crie riqueza. E sacar dinheiro dos fundos estruturais, dos impostos pagos pelos alemães, finlandeses, e holandeses, não é criar riqueza.

Já Oliveira Martins dizia que os funcionários públicos lusitanos descendiam dessa grande massa inerte de religiosos do tempo anterior às revoluções do século dezanove. Consta que as fileiras daqueles primeiros vão aumentando, tal como a nossa dívida pública, cujo saldo vamos dando sinais cada vez mais claros de ser incapazes de pagar.