Em 1975 um jornalista sueco perguntou a Otelo Saraiva de Carvalho qual era o objetivo da revolução em curso em Portugal. O capitão de abril respondeu: “Acabar com os ricos.” O jornalista sueco retorquiu: “Ah. Na Suécia o nosso objetivo é acabar com os pobres.”

Com efeito, Portugal é um dos países europeus mais anticapitalistas. Não deveria admirar, portanto, que estejamos hoje muito descapitalizados. O nosso anticapitalismo deve-se, entre várias outras coisas que não cabem nestas linhas, a terem sido comunistas a definir o nosso “centro político” (muito enviesado à esquerda) há 48/49 anos atrás. O seguimento da famosa “estratégia antimonopolista,” tirada verbatim do programa do PCP, que na prática significou a destruição do nosso tecido económico, em 1974-5, também degolou o país. Por fim, errámos em não ter banido o PCP e restante extrema-esquerda (partidos não-democráticos) depois de 25 novembro 1975.

O Supremo Tribunal Federal da Alemanha Ocidental baniu o Partido Comunista Alemão (KPD) em 1956. Em 1968 alguns dos seus elementos decidiram criar um novo partido comunista, o DKP. Mas estava dado o mote. Daí que o DKP não tenha conseguido obter mais de 15,000 votos (em cerca de 47 milhões de votos) na última eleição para o parlamento alemão, em 2021, insuficientes para eleger um deputado. Na Letónia, o partido comunista, LKP, foi banido em 1991 pelo parlamento transicional. O mesmo aconteceu, no mesmo ano, com o partido comunista da Lituânia. Estes tigres bálticos cresceram em PIBpc 61% e 71%, respetivamente, nos últimos 21 anos, enquanto nós crescemos 21%. Os países onde os comunistas são inconsequentes são mais livres e produtivos e, portanto, crescem mais.

Parece que o que nos alimenta é a ideologia, porque a riqueza material teima em não se materializar. Por exemplo, quando António Costa anunciou transportes públicos “gratuitos” para crianças até aos 12 anos e redução no preço do resto, ficou tudo delirante. Carlos Moedas foi ainda mais longe, fazendo campanha para os tornar “gratuitos” para todos até aos 23 anos e para os maiores de 65 anos. No entanto, é mais fácil fazer este tipo de anúncios populistas do que realmente facilitar a mobilidade dos portugueses melhorando os transportes públicos em Lisboa (reduzindo o tempo de espera, por exemplo), onde não é possível depender do metro, do comboio, ou do autocarro para chegar ao trabalho a tempo e horas consistentemente. Se assim não fosse, não teríamos tantos carros. Mesmo com o preço alto de combustíveis em Portugal.

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O que é que é mais importante? Custear as tarifas de acesso aos transportes públicos péssimos integralmente com o OGE/tributação/fundos estruturais/PRR/[inserir outro truque de mágica aqui] e assim torná-las acessíveis a uma maior fatia de portugueses (pobres), ou criar as condições para que mais portugueses enriqueçam e consigam por conseguinte custear o real preço das ditas tarifas (mais caras)?

No que realmente interessa – o acesso dos mais pobres ao ensino, seja ele primário, secundário ou universitário – não somos nada “socialistas,” no sentido de um estado social que trata de dar a todos as mesmas oportunidades. A maioria dos portugueses nem pode escolher em que escola pública inscrever os filhos. As nossas universidades públicas continuam a ser frequentadas quase exclusivamente pela classe média urbana, as pessoas vindas de contextos socioeconómicos mais desfavoráveis optando ao invés por institutos politécnicos e em muitos casos nem terminando os cursos.

Outro exemplo é a habitação social. Enquanto a habitação social representa cerca de 2% do nosso parque habitacional, nos Países Baixos representa cerca de 35%, na Áustria cerca de 25%, e na Dinamarca cerca de 20%. A habitação social foi “outsourced” pelo nosso regime dito socialista para os proprietários privados, que em vez de poderem aforrar para lucrar do que lhes pertence, são obrigados a suportar os custos das rendas baixas (a ação social propriamente dita) a inquilinos que não podem despejar. Eis outro caminho do processo normal de ascensão social nas sociedades democráticas que nos está vedado.

Foi triste notar mais uma contemporização com o radicalismo pequeno-burguês anticapitalista urbano de onde vêm as hostes que compõem os nossos partidos da extrema-esquerda radical, os marxistas-leninistas do PCP e os trotskistas-maoistas do BE, na forma da nova Lei de Bases da Saúde, que veio dificultar a realização de PPP nesta área mesmo quando as vantagens económicas para o estado são claras. Não deveria surpreender, então, que as PPP não tenham sido renovadas em Loures, Vila Franca de Xira, e Braga.

Continua por resolver o problema do desemprego de muito longa duração. O salário médio limpo de impostos continua abaixo dos mil euros, mas as condições fiscais atrativas são só para os estrangeiros ou portugueses estrangeirados (que viveram pelo menos cinco anos consecutivos no estrangeiro antes de regressarem). Continuamos a ter uma taxa de poupança individual para a reforma abaixo dos 43%, quando a diferença entre o último salário e a pensão de reforma será menos de 40% em 2060. Numa comparação com 44 países, o ranking da sustentabilidade do nosso sistema de pensões foi o sexto pior, justamente por faltar o pilar de capitalização individual.

O socialismo em Portugal é como as fachadas do recheio do centro histórico de Lisboa. Enquanto o interior original de quase todos os palácios de 2012 para cá foi espezinhado por explosivos, ficou o exterior, espécie de máscara de pó de arroz para inglês ver. Como o Zé Maria Seabra Duque noticiou, em Portugal hoje a maior chance de uma pessoa viver desafogadamente é herdar. Somos também dos países da OCDE onde as probabilidades de uma pessoa se tornar milionária durante a sua vida é menor.

O português comum vê-lhe vedados os caminhos normais, nas sociedades meritocráticas, para a acumulação de riqueza. Enquanto no parlamento há deputados a falar em “perdermos a vergonha de ir buscar dinheiro a quem o está a acumular” (não surpreende que a sra. deputada em questão seja filha de alguém que foi outrora assaltou um banco). Olha para quem está a “ter sucesso” financeiramente e vê um ex-primeiro ministro em liberdade que defraudou o estado enquanto conduzia o país alegremente para a bancarrota, Marias Begonhas e outros boys de 21 a fazer 3,700 brutos por terem o cartão partidário certo, e é natural que pense que a única alternativa que lhe resta seja emigrar.

A nossa estagnação chegou a tal ponto que, como hoje os nossos vizinhos em matéria de produto interno bruto per capita são os países dos Balcãs, a migração do executivo para o palácio Ceaucescu faz todo o sentido. A questão é que em breve a própria Roménia nos ultrapassará.