O Orçamento do Estado para 2025 permite que quer o PS como o Governo se considerem vitoriosos. Para os portugueses traz em geral algum alívio fiscal, menos do que o Governo desejaria para as empresas, uma redução significativa de impostos para quem tem menos de 35 anos e um aumento do poder de compra dos reformados com pensões mais baixas acima do que prevê a lei.
Pedro Nuno Santos pode dizer que conseguiu influenciar o Orçamento sem colocar em causa o equilíbrio das contas públicas atingindo assim genericamente os seus objetivos. O Governo vê o seu Orçamento aprovado sem o descaracterizar e com um custo mínimo da ordem dos 0,1% do PIB.
Ter um impacto orçamental das medidas aprovadas desta ordem de grandeza num Parlamento fragmentado como o que temos é espantoso. A aprovação dos orçamentos de António Costa, especialmente no tempo da designada Geringonça, saiu formalmente mais cara. Formalmente porque como hoje todos já perceberam, pagamos caro com a degradação dos serviços públicos, cujos problemas estão hoje à vista de todos.
Mas será um bom Orçamento? Longe disso. Gasta muito dinheiro em medidas de eficácia muito duvidosa, como é o caso do IRS Jovem, medida que só não é pior graças ao PS. A descida do IRC valerá mais pelo sinal do que propriamente pelo seu efeito. E a subida do valor das pensões mais baixas acima do previsto na lei, conseguida pelo PS, teve motivações puramente de batalha político-partidária, tentando assim os socialistas impedir que o Governo desse aos pensionistas um cheque, em vésperas de eleições autárquicas. Objetivo que dificilmente irá conseguir atingir.
Nada de substancial está previsto no Orçamento que nos faça antecipar a resolução dos problemas mais graves que estão associados à degradação dos serviços públicos. Resta-nos esperar que o Governo siga a metodologia dos governos de António Costa, aqui não para fingir que gasta, mas sim para fazer as reformas e os investimentos de que precisamos.
A expectativa não pode ser grande, considerando o quadro de incentivos políticos determinado por um Governo de minoria. A tentação de continuar em campanha eleitoral é enorme, mesmo sabendo que em princípio pode governar até à tomada de posse do próximo Presidente da República no início de 2025. Ninguém espere, por isso, medidas impopulares.
O máximo que podemos desejar é que não se desperdicem recursos e que se estabeleçam prioridades racionais, focadas no que realmente é importante para os portugueses. Sectores como a Saúde, a Educação, a Justiça e a Segurança deviam merecer do Governo especial atenção, assim como começar a concretizar finalmente os investimentos públicos na ferrovia, criar condições para se construírem casas mais rapidamente e melhorar os transportes públicos.
É absurdo o investimento numa ferramenta de inteligência artificial português – o chatGPT Amália. É uma prioridade a compra de 600 veículos para a PSP e a GNR. Mesmo que consideremos que não faz sentido ser um primeiro-ministro a anunciar uma medida dessas, é de iniciativas destas, neste caso aplicadas à Segurança, que precisamos.
Quem está minimamente familiarizado com a Inteligência Artificial dificilmente consegue compreender porque se vão gastar 5,5 milhões de euros quando se podem treinar as ferramentas já existentes. Sim, é com dinheiro do PRR. Mas será que esse dinheiro não poderia ser melhor gasto apoiando a literacia digital ou a transição digital de micro e pequenas empresas?
A par de uma definição de prioridades focada na melhoria dos serviços públicos – que contribuirão para melhorar a eficiência da economia e, ao mesmo tempo, combater as desigualdades -, o Governo tem igualmente de retirar lições sobre o que lhe aconteceu na Educação, no caso dos dados errados sobre o número de alunos sem professores.
Fernando Alexandre, o ministro da Educação, tem uma carreira de rigor e nunca lhe passaria pela cabeça fornecer dados errados. Mesmo que não fosse esse o seu perfil, seria até pouco inteligente da sua parte fazê-lo, já que rapidamente seria descoberto, como foi. Confiou nos serviços públicos e esse pode ter sido o erro que cometeu. O facto de não se ter precipitado em demissões é igualmente revelador do nível do seu perfil, optando por apurar o que se passou com uma auditoria externa.
Este caso deixa, contudo, muitas interrogações que, em parte, poderão ser respondidas pela auditoria. A primeira é desde logo como é que a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), liderada por João Gonçalves, responsável pelo fornecimento dos dados, não tem números seguros de alunos sem professores.
A segunda questão é como é que a oposição, especialmente o PS, teve tanta certeza de que os números estavam errados. O anterior ministro da Educação, antes secretário de Estado da Educação, João Costa, que acompanhou o sector de Novembro de 2015 a Abril de 2024, decidia com base em que números?
Este caso coloca-nos perante dois cenários possíveis, nenhum deles agradável. Um é o cenário de os serviços públicos estarem de tal forma degradados que nem números básicos para suportar decisões de políticas públicas conseguem produzir. O outro cenário, mais grave, é o ministro ter sido induzido em erro pelos serviços, mesmo que sem responsabilidade do director-geral. Nos dois cenários existem responsabilidades do anterior Governo.
O Governo de Luís Montenegro tem sido criticado por substituir algumas das pessoas em cargos de topo da administração pública. Este caso, a comprovar-se o pior dos cenários, pode mostrar que os ministros não foram suficientemente longe. Esta era a altura para, de uma vez por todas, deixarmos de fingir que temos nos cargos de topo da administração pública escolhas isentas.
Se o Governo quiser de facto resolver os problemas, pelos menos alguns, que o país enfrenta tem de ter a administração pública consigo. A aprovação do Orçamento é apenas um passo e pouco contribuirá para resolver os principais problemas.