Ontem foi apresentado, no Palácio da Bolsa, um estudo patrocinado pela Associação Comercial do Porto com o título “Assimetrias e Convergência Regional”. O trabalho foi coordenado por Fernando Alexandre, que contou na sua equipa com João Cerejeira, Miguel Portela e Miguel Rodrigues (todos meus colegas) e ainda com Hélder Costa (que é meu ex-aluno). O trabalho com quase 200 páginas foi feito ao longo deste ano e pude, por muitas vezes, ver os meus colegas a trabalhar nele; cheguei a com eles discutir algumas conclusões.
Imagino que haja quem queira desvalorizar os resultados deste estudo, alegando que foi feito por encomenda de uma associação do Porto que tem lutado pela descentralização do país. Tal seria um erro. Quando são contratados académicos sérios (e eu ponho as mãos no fogo pela seriedade dos autores), só o estudo é que é encomendado. Os resultados não, esses são aquilo que a análise dos dados indicar. E, como académicos sérios que são, gostam de sujeitar os estudos ao crivo da comunidade científica, pelo que, a partir deste estudo, já escreveram um artigo científico que está neste momento a ser avaliado por uma revista internacional da área. É em grande parte com base nesse artigo académico, e não no estudo ontem apresentado, a que ainda não tive acesso, que escrevo a minha crónica de hoje.
Neste artigo, os autores começam por notar que entre 2008 e 2016, ao contrário do que se verificou nos restantes países intervencionados pela troika e da maioria dos países da União Europeia, as desigualdades entre as regiões portuguesas diminuíram. Esta evolução, repito, foi ao arrepio do resto da Europa e quer obviamente dizer que as regiões mais pobres cresceram mais e as mais ricas menos (ou, se se preferir, que as mais ricas sofreram mais com a crise e as mais pobres menos). Ou seja, aquela região que se esperaria que fosse o motor do país, a Área Metropolitana de Lisboa (AML), serviu como uma âncora, puxando o país para baixo. E, quando essa região tem um peso de 36% no PIB nacional, é uma âncora demasiado pesada para arrastar.
Como a crise financeira internacional e a crise da zona euro foram, no essencial, crises de sobreendividamento, uma hipótese para este comportamento era que o endividamento das regiões mais ricas de Portugal fosse maior. Uma riqueza a crédito, digamos assim. Por outro lado, no contexto da crise que atravessámos e dado o processo de consolidação das contas públicas, era inevitável que o principal factor de crescimento fossem as exportações. Assim sendo, era de esperar que as regiões com um maior peso do sector não transacionável tivessem tido mais dificuldades em reagir e em libertar-se da crise.
As hipóteses levantadas acima são, de um modo geral, confirmadas pelos dados, mas os autores vão mais longe. Vendo que as diferentes regiões do país têm diferentes graus de especialização, além de serem especializadas em sectores diferentes, conjecturam que isso tornará os seus ciclos económicos assíncronos. Quando assim é, é importante que as políticas regionais possam ser diferentes, dado que os problemas que enfrentam são também diferentes. Nesse sentido, os meus colegas testam se as regiões com maior peso de receitas próprias e, portanto, com maior margem para compensar quebras das transferências centrais conseguiram resistir melhor aos choques externos. E, mais uma vez, os dados confirmam esta tese, com as regiões que mais receitas conseguiram gerar a enfrentarem melhor os choques negativos que sofreram.*
O resultado de todos estes factores somados pode ser visto na tabela que apresento em cima. Nela podemos ver que, desde que começou a longa estagnação portuguesa, em 2000, a Área Metropolitana de Lisboa tem tido um desempenho verdadeiramente medíocre, sendo mesmo a região com pior desempenho entre 2008 e 2016, o que não surpreende se tivermos em atenção que é a região com maior peso da dívida (privada) sobre o PIB e que também tem um sector exportador com muito pouco peso. Para além disso, a AML é a região mais dependente do Estado, tendo uma grande fatia das vendas de bens e serviços a entidades públicas.
Por outro lado, as cinco regiões com maior vocação exportadora — Beira Baixa, Ave, Aveiro, Alto Minho e Trás-os-Montes — e o Alentejo Litoral (a região com maior peso de sectores transaccionáveis) estão entre as que mais contribuíram para o crescimento do país (entre 2000 e 2016) e para a recuperação da crise (2012-2016). E ainda para a alteração da estrutura produtiva, com o crescimento do sector da indústria transformadora a destacar-se.
Ao mesmo tempo que a região de Lisboa é uma das mais estagnadas do país, continua a ser aquela que mais recursos atrai. Há vários indicadores que o demonstram. O meu preferido é o da deslocação de diplomados, onde podemos ver a capacidade da região de Lisboa (e, em menor medida, do Porto) de captar quadros qualificados à custa de um brain drain das outras regiões.
A questão que temos de enfrentar é se faz sentido continuar a fazer da Área Metropolitana de Lisboa um sorvedouro de recursos de Portugal, quando já é de longe a região mais rica (sendo a única região com um PIB per capita superior ao da média da União Europeia), num momento em que esbarrou num modelo de desenvolvimento esgotado e há cada vez mais dados empíricos que mostram que a descentralização é boa para o crescimento.
* Imagino que alguns leitores estejam neste momento a pensar que a relação causa-efeito é a oposta, argumentando que foi graças ao facto de o crescimento ter sido maior que estas regiões geraram mais receitas próprias. Este problema da endogeneidade das receitas próprias foi tido em consideração nas estimações econométricas, pelo que os resultados não estão contaminados por ele.