Se não fosse triste dava muita vontade de rir. Ricardo Moutinho, na tradição de Artur Batista da Silva (lembra-se dele? O homem que deu entrevistas e foi convidado de grandes conferências, apresentando-se como consultor das Nações Unidas em plena crise da Troika e que afinal não passava de um burlão?), usou os seus pergaminhos inventados para embarretar um promissor quadro do Partido Socialista e sacou-lhe trezentos mil euros adiantados para construir uma obra imaginária.

Muito já se falou sobre este caso. Mas o que acho fascinante é como é fácil em Portugal entrar nos gabinetes do poder e até nas maiores redações do país (como aconteceu no caso de Batista da Silva), com currículos inventados a vender banha da cobra.

Ricardo Moutinho foi mais ambicioso do que Batista da Silva. Quis ganhar dinheiro rapidamente em vez de vender influência. Teve o azar de embarretar um amigo do primeiro-ministro, que foi buscá-lo a Caminha para vir resolver problemas no Governo. Se não fosse esta promoção política, Caminha e Miguel Alves tinham sido embarretados e Ricardo Moutinho tinha embolsado trezentos mil euros sem mais consequências. O país tinha ficado na ignorância, como provavelmente acontece em muitos municípios do país.

A forma como Ricardo Moutinho ou, há poucos anos, Artur Batista da Silva aldrabaram tudo e todos demonstra a facilidade com que se acede aos corredores do poder em Portugal. Nos últimos dias, assistimos atónitos a uma entrevista surreal em que o “Pee Age Dee” Ricardo Moutinho se embrulha todo para justificar o currículo académico falso e a rede de empresas fantasma com que enganou Miguel Alves, o astuto amigo socialista de António Costa.

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Na verdade, eles são apenas a face visível de uma falta de exigência, escrutínio e rigor que tem muito mais expressão no país. Lembra-se do currículo falso de José Sócrates? Ou de Miguel Relvas? Ou de Feliciano Barreiras Duarte? Só para citar alguns exemplos.

Portugal é terreno fértil para aldrabices e aldrabões. E porque é que isto acontece? Porque não está no ADN nacional prestar contas, exigir ou avaliar resultados. O que interessa é o que se diz agora, amanhã passa-se a outro capítulo e já ninguém se lembra de promessas nem de compromissos. Sabendo isso, ministros e outros responsáveis políticos passam a vida a fazer anúncios repetidos, com investimentos elevados que nunca chegam ao terreno. O TGV e o aeroporto são dois bons exemplos de projetos anunciados, com muitos milhões do erário público despendidos e sem nenhuma concretização prática ao longo de anos.

Ricardo Moutinho e Artur Batista da Silva podiam ser apenas dois Chicos-espertos, mas infelizmente são muito mais do que isso. O país está cheio deles. São um retrato do país em que nos estamos a tornar: um país que vive de aparências, que decide a curto prazo, determinado apenas pelos resultados que quer alcançar no dia seguinte, mesmo que isso hipoteque o nosso futuro.

A pertença à União Europeia tem sido a nossa salvação. É verdade que a habilidade para iludir os parceiros europeus também, e isso é sobretudo mérito de quem nos tem governado. Mas o facto, como demonstram os casos que refiro acima, é que a verdade acaba sempre por ser descoberta. A pouco e pouco, Bruxelas vai percebendo que não estamos aqui para avançar, estamos só para empatar. Fundos europeus, PRR e outras ajudas europeias têm servido para encher os bolsos dos Chicos-espertos e não para ajudar o país a evoluir.

Vale a pena não nos esquecermos de Ricardo Moutinho e Artur Batista da Silva quando começarmos a ver as manifestações na rua e o povo em luta por causa da crise e das más condições de vida em Portugal. Temos de acordar e decidir de uma vez por todas se este país é para quem trabalha ou para essa figura ímpar da tradição nacional: o Chico-esperto.

PS: Neste artigo não se toma por verdadeira a tese de que a ação destes senhores esteja concertada com interesses ou financiamentos partidários. Isso seria o cúmulo da Chico-espertice.