Todos os dias temos mais um facto que, garantem-nos, só vai beneficiar o Chega.
O de hoje é o adiamento do Famalicão–Sporting. Dos 15 agentes destacados para fazerem gratificados neste jogo apenas três compareceram ao serviço. Os restantes doze agentes estão de baixa médica. O jogo foi cancelado. Do lado do Governo o caso está ser lido como uma “insubordinação gravíssima” das forças de segurança e as forças de segurança lembram que no próximo dia 10 de Março podem não conseguir assegurar o dispositivo de segurança inerente às eleições…
Até à hora a que escrevo este é o último facto que só vai beneficiar o Chega. Amanhã ou quiçá ainda hoje outro surgirá. Os agricultores manifestam-se? Isso vai beneficiar o Chega! Membros do Governo da Madeira estão a ser investigados por corrupção? Isso vai beneficiar o Chega!… Não tarda que o simples acto de respirar beneficie o Chega!
O que nunca se pergunta é porque vai o benefício para o Chega? A resposta parece-me óbvia: porque a esquerda precisa que seja assim e sobretudo porque a direita deixou que fosse assim. Mais, a direita trabalhou activamente para que esteja a ser assim.
O falhanço dos regimes comunistas e de todas as experiências de “democracias avançadas” levaram a esquerda a ressuscitar o imaginário do antifascismo, do antinazismo, do anticolonialismo… que lhe permite criar arrebatados frentismos sem ter de se alongar nos seus programas para lá das promessas de saque fiscal.
O que sim é novidade é a forma como o centro e a direita aceitaram e aceitam restringir a sua intervenção política às áreas que a esquerda lhes reservou. Nos anos 50 e 60 do século passado o centro e a direita não defendiam a luta de classes mas não foi por isso que se abstiveram de pensar esses assuntos e defender programas políticos sobre a melhoria de vida das classes trabalhadoras (programas esses aliás muito melhor sucedidos que os dos defensores da luta de classes). Ora hoje não acontece nada de semelhante: criou-se à direita um tabu sobre assuntos como a segurança, os direitos das mulheres (sim, das mulheres que neste momento estão a ser apagadas pelo activismo trans), a imigração…
Quando estes se tornaram as preocupações significativas duma parte crescente da população, nem a direita nem o centro estiveram lá para ouvir essa população falar daquilo que a preocupa. O resultado só podia ser o que estamos a viver: a direita acabou sem discurso quando mais precisava dele. Receosa das palavras e inibida de pensamento, a direita retirou-se desses temas e deixou o campo livre à sua esquerda e, o que é mais relevante neste momento, também à sua direita. Não apenas, nem tanto, para combater a esquerda mas também e sobretudo para não se desagregar em partidos de protesto.
O centro e a direita só se podem queixar de si mesmos. Porque estiveram mais preocupados em responder ao eleitorado de esquerda do que ao seu próprio eleitorado e porque subestimaram a inteligência táctica do PS e a capacidade política de André Ventura.
Agora Inês é morta. Nas próximas legislativas Portugal não vai escolher diferentes programas de governo. Nem sequer o que distingue um governo PS de um governo PSD ou AD. Vai sim participar num plebiscito sobre o lugar do Chega.
PS. O adiamento do jogo Famalicão–Sporting veio chamar a atenção para o policiamento em Portugal. É preciso ter em conta que a maior parte dos polícias que vemos na rua não estão a fazer policiamento determinado pelas suas hierarquias mas sim a serem pagos por privados para garantirem a segurança de lojas, edifícios ou eventos. Ou seja, estão a fazer gratificados.
Não defendendo eu que se acabe com os gratificados, parece-me que se está a abusar largamente deste recurso. Porque ganham mal, os agentes da PSP e da GNR fazem serviços gratificados. Porque os polícias acrescentam os ordenados fazendo serviços gratificados, o governo não lhes tem valorizado as carreiras nem investido em meios para que possam fazer policiamento. Porque há falta de policiamento e insegurança crescente em algumas zonas, os privados recorrem aos serviços gratificados (que nem são tão caros quanto se possa pensar) para locais tão prosaicos quanto supermercados ou farmácias. Como vem aí uma campanha eleitoral talvez fosse interessante saber o que pensam os diferentes partidos sobre o peso dos gratificados na remuneração mensal dos agentes e na nossa falsa sensação de segurança.