Nem sabemos por onde começar porque as histórias quando se conhecem são antigas e cruzam-se temporalmente umas com as outras. Desde as ingerências do poder político na gestão de uma empresa de aviação, à utilização das secretas por parte de membros do governo e em nome de motivos dúbios; da estratégia de endividamento do país em troca do voto fácil, à suspeição de pactos políticos entre PS e PSD para a distribuição de vitórias pelas freguesias de Lisboa. Uma lista infinda de casos que nos levam a considerar que a democracia não anda de boa saúde. Aliás, torna-se necessário que nos interroguemos o que sucederia se Portugal não fizesse parte da UE. Não fossem os fundos que recebemos de Bruxelas ainda existia democracia ou teríamos deitado a toalha ao chão?
O percurso que o país encetou em 1995 conduziu-nos até este momento. Um dos mais delicados numa história de séculos porque se discute a sustentabilidade do Estado sem o soro de Bruxelas; porque se vive sob o peso de uma dívida que força a população a sair do país para a não ter de pagar; porque há sérias dúvidas quanto à independência das instituições do Estado perante o poder político. As dificuldades que começaram na área das finanças públicas, tornaram-se económicas, chegaram à esfera social, à incapacidade do Estado cumprir as suas funções essenciais e transformaram-se numa crise de ordem política.
A democracia liberal pressupõe liberdades individuais, liberdade de voto, de expressão, mudança não violenta de governo, separação de poderes, escrutínio por parte do Parlamento, da imprensa, tribunais independentes, justos e céleres, um papel activo das associações de cidadãos, cidadãos com sentido crítico prontos para duvidar, perguntar e discutir. Implica liberdade religiosa e daí a separação entre o Estado e a Igreja. Mas também significa liberdade para subir na vida pelo trabalho, esforço, ser recompensado pelas escolhas que se fez, por se ter poupado e investido. Uma democracia liberal existe e aguenta-se como garante da propriedade privada. Não destrói capital que é o nosso investimento nas gerações futuras; a nossa confiança nos nossos filhos; é a herança que lhes deixamos. Uma democracia liberal traz também consigo uma separação entre Estado e negócios; entre Estado e empresas; entre políticos e empresários. Naturalmente, que existem negócios entre o Estado e empresas, mas esses cingem-se a certas matérias e não devem constituir a tábua de salvação de empresários que não sobrevivem se cumprirem as regras do mercado livre.
Este não foi o caminho trilhado de 1995 até ao presente. Daí a TAP, o estado caótico da CP, a falta de investimento público e privado; daí uma economia que cresceu à custa do consumo interno e agora, que já nem isso é suficiente, do turismo. É este caminho que está errado; não é a democracia. Em qualquer comunidade existem sempre casos de corrupção, como não deixa de haver roubos, assaltos e homicídios. Mas numa democracia liberal saudável, em que o poder político não se imiscui nos negócios, em que os empresários não precisam dos políticos para conseguirem bons contratos, os casos de corrupção são em menor número porque menos necessários. Numa democracia liberal, a economia privada é suficientemente dinâmica para quem trabalhe seja bem-sucedido.
Não somos anjos. Foi na percepção desta verdade que se separaram os poderes executivo, legislativo e judicial. É na compreensão deste facto humano que a economia, a finança e as empresas não se devem misturar com a política. O papel de um governante é governar, não fechar negócios nem administrar empresas.