A Mamadu Mané*
O que aprendemos e o que não aprendemos? O que fizemos e o que falta fazer? Cada um assumiu as suas responsabilidades? São talvez as questões mais importantes a que devemos dar resposta, seja nos incêndios seja no país.
Uma das coisas relevantes que fizemos nesta legislatura foi cumpri-la até ao fim. A estabilidade política é um valor que devemos preservar. Numa legislatura que é apenas de quatro anos, em que os primeiros seis meses são para conhecer os cantos à casa, ministerial ou parlamentar, e os últimos são campanha eleitoral, só há três anos para, de forma sustentada, governar e legislar. Interromper uma legislatura a meio significaria uma incapacidade de governar e, mais grave, impossibilidade de pedir responsabilidades sobre implementação de um programa a quem quer que seja. Se a democracia é essa capacidade de periodicamente avaliar e premiar ou punir os que governam, um mínimo de estabilidade política é necessário.
Não sabendo ainda a configuração do futuro parlamento, só há três maneiras de assegurar estabilidade política. Maioria absoluta, coligação governamental ou acordos de incidência parlamentar. É uma quimera a ideia que um governo minoritário PS, provável vencedor das legislativas, sem qualquer tipo de acordo, possa sobreviver eficazmente na próxima legislatura. Não sobreviveria.
Na atual legislatura houve uma melhoria de alguns indicadores económicos (crescimento, descida do desemprego) que permitiu um conjunto de medidas como a eliminação dos cortes salariais e da sobretaxa do IRS, o descongelamento das carreiras, uma subida de algumas pensões, compaginável com uma redução do défice orçamental. Nada disto acontecerá na próxima legislatura. O desemprego já atingiu quase o seu mínimo (a “taxa natural” de desemprego), o crescimento não vai acelerar, as taxas de juro não irão baixar mais, pelo que não haverá margem adicional para o tipo de medidas que foram tomadas nesta legislatura. Adicionalmente, algumas medidas recentes (descongelamento de carreiras e subidas de pensões) terão apenas o seu impacto orçamental pleno em 2020 e anos seguintes. Porém, se a economia não vai permitir grande folga e exige contenção orçamental, as expectativas das famílias, e dos vários setores profissionais, vão em crescendo. É expectável, por isso, que a tensão social se agrave, o que inviabilizará um governo minoritário sem acordos parlamentares.
Mas não basta fazer acordos. É preciso não os rasgar. Sem a responsabilidade política por parte de quem os assinou (PS, PCP, BE e Verdes) esta legislatura não teria chegado ao fim. O efeito PRD — a moção de censura ao governo de Cavaco Silva que lhe deu a primeira maioria absoluta — e o efeito PEC IV que derrubou Sócrates e também deu maioria absoluta a Passos Coelho com o CDS (PàF), esteve, e bem, na mente dos signatários dos acordos da geringonça para não quebrarem os seus compromissos. O meu modesto conselho a António Costa é que sem maioria absoluta é indispensável celebrar novos acordos, mesmo que levem meses a ser negociados o que, aliás, é comum nas democracias mais maduras.
O PS merece ganhar as eleições tal como as sondagens sugerem, porque preparou bem um programa eleitoral em 2015, no essencial cumpriu as promessas eleitorais com as necessárias concessões aos seus parceiros parlamentares, e deste modo conseguiu melhorar os direitos, a vida e a confiança dos portugueses e reganhar a reputação internacional pela determinação em corrigir alguns desequilíbrios macroeconómicos e vulnerabilidades financeiras. Porém, não deve ter maioria absoluta pois não está preparado, nem em pensamento estratégico nem em quadros.
Ter maioria absoluta, é útil quando se tem uma clara visão estratégica para o país e se quer implementá-la. Uma visão sobre a reforma do sistema político e do sistema de justiça, a forma de resolver o problema demográfico, as reformas parcelares a efetuar no Estado (seleção de cargos dirigentes, formação de quadros, descentralização, gestão pública), e o modelo de crescimento económico sustentável social e ecologicamente que se quer implementar. É necessário também ter quadros no partido para as pôr em prática. Ora, para ter uma estratégia e quadros endógenos ao partido (sem outsourcing a economistas independentes) seria necessária uma renovação do partido, uma alteração do financiamento partidário e um reforço de think tanks partidários que até hoje o PS se recusou a pensar seriamente, muito menos a adoptar. E quando não há pensamento estratégico, a ação política fica desconchavada, de que o caso da descentralização é, talvez, o mais paradigmático.
Maioria absoluta, sem estratégias políticas claras e assumidas, só poderia levar aos erros e problemas do passado das várias maiorias absolutas e a tiques autoritários na governação e na legislação.
*Mamadu Mané, era um guineense e um homem bom. Conhecido e venerado pelos seus conterrâneos, muçulmano, da região de Buba. Tinha 9 filhos, cinco com dupla-nacionalidade guineense e portuguesa a viver e a trabalhar em Portugal e vários netos. Faleceu esta semana, provavelmente porque não conseguiu atempadamente receber um visto para, como era seu desejo, ser tratado em Portugal (na realidade recebeu-o (?) apenas no dia em que morreu). A Guiné-Bissau ocupa um lugar cimeiro na lista dos países mais corruptos do mundo (172 em 180 em 2018 no índice de percepção da corrupção). É um país independente e soberano. Se do lado guineense nada se poderá fazer sobre alegada corrupção no processo preparatório à atribuição de vistos, do lado português o mínimo que se justifica é um efetivo escrutínio e um relatório sobre o funcionamento da secção consular da Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau sobre os tempos, as condições, os pagamentos relativos à atribuição de vistos. Quem não deve não teme, não é verdade?