Para quem considera que a estabilidade política não é um valor importante recomendo o estudo da I República em Portugal ou da República de Weimar na Alemanha. Na sua diversidade são dois bons exemplos de como os povos reagem a democracias disfuncionais. Se a democracia é incapaz não apenas de resolver os problemas das pessoas, mas até de um mínimo de estabilidade é natural que muitos cidadãos busquem alternativas em pessoas e depois em regimes autoritários. A Alemanha de Weimar teve uma média de um novo chanceler em cada ano entre 1919 e 1933. O último chamava-se Adolf Hiltler.

Com risco de sobre-simplificação parece-me que basta acumular dois ingredientes para a degenerescência de um regime democrático: a instabilidade política governamental (governos que caem a cada ano) e a percepção, por parte significativa dos cidadãos, de um problema económico ou social que sentem como ameaça e que não parece ter solução à vista. Pode tratar-se de inflação ou desemprego elevado e persistente, de uma imigração apercebida como ameaçadora ou de outro problema qualquer que possa pôr em causa o modo de vida das pessoas.

Sendo a estabilidade política um valor, importa perceber aquilo que contribui para ela e aquilo que a abala. Primeiro, temos o necessário respeito pela “separação e interdependência” de poderes (executivo, legislativo e judicial) que a nossa constituição estabelece. Há quem olhe mais para a interdependência, mas acho que se deve olhar mais para a separação. A crise política propiciada pela forma e pela substância da intervenção do Ministério Público é o exemplo paradigmático de uma indesejada interferência da investigação criminal no processo político democrático. A uma escala muito menor, mas a recente posição pública, por escrito, do Presidente da República (PR) sobre o subsídio de risco para agentes de PSG e GNR é uma clara, e também indesejável, interferência do PR sobre o poder executivo do governo. O actual e sobretudo o que resultar das eleições de 10 de março, dado que nada será agora negociado. Não respeitar a separação de poderes é o caminho para a ingovernabilidade.

Em segundo lugar, temos a construção pelos atores políticos fundamentais de condições de mínima estabilidade política, sendo que o mínimo dos mínimos é termos um horizonte de dois anos, ou seja assegurar o cumprimento de metade da legislatura. Para isso contribuirá, ou não, aquilo que disserem Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro neste período pré-eleitoral e aquilo que constará nos programas eleitorais de PS e PSD. Já todos percebemos os quatro cenários base a partir dos quais uma solução governativa precária irá emergir. Vitória de PS ou PSD cruzada com uma maioria parlamentar de esquerda ou de direita. Há, porém, uma incógnita adicional muito relevante acerca do resultado das próximas eleições que é saber se partidos que percebem a importância da estabilidade política (PS, Livre, PSD e CDS) têm conjuntamente mais de dois terços dos deputados. Se o tiverem, só se PSD/CDS ou PS/Livre quiserem (sendo que um dos quais estará na oposição) é que o governo será demitido ou um orçamento de estado não será aprovado.  Na realidade com mais de dois terços de deputados destes quatro partidos, uma coligação negativa nunca deita abaixo um governo se o outro grande partido (na oposição) se abstiver.  Portugal, não tendo na sua constituição a moção de censura construtiva (a queda de um governo só se faz aprovando previamente uma alternativa) resta saber se existe, nos principais líderes políticos, a defesa do princípio que subjaz a essa moção: não deitar abaixo um governo sem que haja uma alternativa viável de governação. É sobre isto que vale a pena ouvir os dois principais candidatos a primeiro-ministro.

Para além das palavras dos líderes aquilo que constará nos programas eleitorais é muito relevante. Parte do fracasso de realizar reformas em Portugal, e que explica o crescimento de partidos populistas, deriva da incapacidade de compromissos nomeadamente entre PS e PSD. Há matérias em que as posições de ambos os partidos  são convergentes e outras em que são claramente diferentes. Sobre as primeiras os programas devem sinalizar orientações gerais mas não ser muito precisos, para que seja possível encontrar terrenos comuns para reformas. Por exemplo, se houver verdadeiro desejo e intenção de reformar o sistema eleitoral no sentido de aumentar a personalização do voto é isso que deve constar e não o modelo que se quer implementar (e.g. o voto personalizado em lista, em tempos defendido pelo PSD, ou o voto duplo com círculos uninominais e plurinominais como defendido em tempos pelo PS). Afunilar propostas quando se sabe que o outro partido não as quer é matar o diálogo. Muitas vezes é uma tática para aparentar desejar uma reforma quando não se quer efetivamente fazê-la. Em contrapartida, em áreas em que as posições dos partidos são claramente diferentes aí se justifica que os programas sejam mais concretos até a bem da responsabilidade política.

São os votantes que vão determinar o grau de fragmentação parlamentar e não há dúvidas que a instabilidade política vai aumentar. Mas compete aos atores políticos, nos seus vários papéis, contribuir para atenuar e não exacerbar essa instabilidade que é o sal da degenerescência democrática.

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