Caros Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro,

Esta carta que vos endereço é a pretexto do debate de hoje, o último debate bilateral nestas eleições legislativas. Mas é sobretudo sobre aquilo que se irá passar na noite do dia 10 de Março e nos dois anos seguintes. Como o vosso tempo é escasso tentarei ser breve e cingir-me-ei a duas coisas essenciais ausentes dos programas eleitorais.

Um de vós será convidado pelo Presidente da República (PR) para formar governo. Que tipo de pessoas aceitará ir para um governo se não tiver um mínimo de expectativa de estabilidade política e condições de governabilidade? Só aqueles que tenham mera ambição política, sem verdadeiro sentido de servir o país. Decerto que não é este o tipo de pessoas que quererão para o vosso futuro governo. Há, então, uma única forma de assegurar que vão atrair as pessoas certas. Assegurar condições mínimas de governabilidade que não passam por miniciclos de um ano, mas um mínimo de dois anos (na prática viabilizar o programa de governo e dois orçamentos de estado). A maior responsabilidade de quem vier a ser primeiro-ministro e quem vier a ser líder da oposição é assegurar essa estabilidade.

Neste mês assistimos a inúmeros debates sobre as propostas dos vários partidos. Poucos são os que leem os programas eleitorais, mas é importante que eles existam para que os eleitores não deem um verdadeiro cheque em branco aos partidos. O paradoxo, é que é perfeitamente irrelevante o que os partidos propõem (na saúde, educação, justiça, administração, finanças, corrupção), se não houver essa mínima estabilidade. Pela simples razão que nada se consegue fazer num ano, que não seja conhecer os cantos aos ministérios e fazer cedências inaceitáveis a grupos de interesse a pensar nas eleições seguintes. Isto sacrificando o bem-estar das gerações vindouras em troco de uns votos a mais nas próximas eleições.

A estabilidade política pós 10 de Março dependerá da forma como PS e PSD lidarem com o Chega. Aqui a questão é saber se o Chega é fundamentalmente um partido de direita ou um partido iliberal. Se fosse essencialmente um partido de direita, nada de mal viria à nossa democracia. O problema é que é sobretudo um partido iliberal, que não se revê no conjunto de valores base que sustentam as instituições democráticas, nem nas regras de competição política. Um exemplo simples, mas ilustrativo, foi o debate entre André Ventura e Rui Tavares, em que as regras ditaram que seria este a terminar o debate, mas Ventura falou até ao fim. Se fosse uma competição desportiva, Ventura teria sido desqualificado ou perderia pontos, se fosse nalguns parlamentos ter-lhe-ia sido silenciado o microfone, mas em TV nada disto acontece. Ventura não olha a meios para atingir os seus fins, mesmo que os meios sejam o atropelo das regras.

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Como lidar com alguém instável que ora diz uma coisa ora diz outra, usa falsidades, aborda tópicos a que as pessoas são sensíveis, mas sem lhes dar nenhuma solução realista? Mas sobretudo como lidar com um partido que não respeita as regras de jogo político e de convivência democrática? Só me parece haver uma solução: torná-lo não decisivo na sustentabilidade ou na queda de um governo. Torná-lo irrelevante politicamente. Isso só se consegue com uma interpretação coerente e persistente do princípio do “não é não” que os partidos de esquerda sempre subscreveram e que os de direita democrática acho que estão a perceber.

Caro Luis Montenegro, sugiro que faça pedagogia junto do seu partido e dos de direita para perceberem a necessidade da coerência do “não é não”. E que isso seja assumido não apenas individualmente por si, mas pelo PSD. Não pode ser uma opção tática, tem de ser estratégica.  Se um voto no Chega não for útil para a governação,  isto esvazia o campo anti-democrático e iliberal e reforça a democracia.  Nuno Melo percebeu-o naquilo que erradamente foi designado de infantilidade. Mas há quem não tenha percebido e não está claro como esse princípio pode ser implementado.

Caro Pedro Nuno Santos, sugiro uma reflexão sobre a posição que António Costa defendeu na noite eleitoral. Disse que não iria deitar abaixo um governo sem ter uma alternativa estável a apresentar ao país. A completa legitimidade democrática da “geringonça” residiu em que os acordos celebrados à esquerda asseguravam essa maioria absoluta e estabilidade parlamentar. Porém, esse cenário não se vai repetir.

O “não é não” de todos os partidos democráticos, em especial PS e PSD, deve significar várias coisas de acordo com um princípio de simetria agora que ainda estamos na incerteza rawlsiana de quem ganhará as eleições. Primeiro, PS ou PSD/CDS devem viabilizar a investidura do governo do partido/aliança que seja o vencedor das eleições. Isto independentemente de qual for a maior minoria parlamentar com eventuais alianças pós-eleitorais à esquerda caso o PS ganhe (e.g. BE e Livre) ou à direita caso a AD ganhe (com IL). Não concordam que esta é a principal escolha destas eleições – quem é que os eleitores preferem para primeiro-ministro e qual o programa mais sufragado – e que essa escolha deve ser respeitada? Segundo, PS ou PSD/CDS devem assegurar que, no mínimo durante dois anos, não contribuem decisivamente para derrubar o governo pelo voto favorável a moções de censura, o voto contra em moções de confiança, nem para chumbar os dois primeiros orçamentos de Estado. Se há coisa que as sondagens mostram é que os portugueses valorizam a estabilidade política e penalizam quem gera instabilidade. Não será um caso de irresponsabilidade política se estas duas condições não forem satisfeitas?

Seria útil que houvesse um esclarecimento vosso antes de 10 de Março sobre estas questões. Não houve até agora e até consigo perceber porquê. Queria apenas desconstruir uma ideia que alguns consultores, camaradas ou comentadores, muitos sem experiência parlamentar, têm veiculado. Dizem eles, que cumprir esses princípios significaria deixar o espaço do papel da oposição para partidos extremistas e fazê-los crescer. Não é verdade. É possível gerir uma oposição, com responsabilidade, alternando votos contra e abstenções. Não é necessário fazer sempre “abstenções violentas”. Estou a falar em quem perde, em metade da legislatura, no mínimo, ser um factor de estabilidade. Ser governo minoritário exigirá compromissos e negociações e uma oposição inteligente apresentará e bater-se-á, em muitos casos, por propostas diferentes.

Mas uma oposição responsável é também aquela que percebe que há acordos de regime que são necessários, diria mesmo urgentes, entre o governo e o principal partido de oposição, pelo menos. E este o segundo tópico desta carta. O caso da justiça parece-me de momento o mais relevante. Já se perdeu uma oportunidade quando António Costa fechou a porta a Rui Rio, então líder do PSD, em quase tudo o que tivesse a ver com reformas estruturais, nomeadamente na justiça. Será que é desta que PS e PSD vão perceber e ter a coragem de implementar, aquilo que muitos dizem há muito tempo, um acordo de regime sobre a justiça, após um necessário debate público alargado a outros partidos, à academia, a think tanks, e a especialistas?  Será que  entendem que o cidadão comum não aceita esta morosidade da justiça e não percebe esta discrepância gritante entre as acusações do Ministério Público e as opiniões dos juízes de instrução? Será que não realizam que muitas destas pessoas viram-se para partidos extremistas, que acenam com soluções que não têm, pois são os descontentes que já não acreditam na capacidade de PS e PSD fazerem diferente e de se entenderem sobre o essencial?  É preciso dar esperança aos portugueses e trabalhar responsavelmente para soluções para os seus problemas.

Estou convicto que o debate será vivo, mas terá elevação e respeito mútuo. Após 10 de Março caberá ao Presidente da República interpretar os resultados eleitorais, ouvir os partidos e fazer o convite. Num parlamento fragmentado, sem maiorias, sem acordos que propiciem uma maioria absoluta só me parece haver um convite razoável endereçado a um de vós. Aquele que vencer as eleições. O partido perdedor esse deve assumir dignamente a sua derrota e dar algum espaço a quem tem maior legitimidade democrática.

Cordialmente,

Paulo Trigo Pereira