Cirílio o “Grande”
A invasão militar da Ucrânia está a ser vendida pela propaganda do Kremlin aos russos como mais uma acto humanitário de Putin para com o país vizinho e recorre-se às mais incríveis formas para a justificar e até a glorificar. Mas nem todos os russos pensam assim.
Círilio I (Kirill), patriarca da Igreja Ortodoxa da Rússia (IOR), está entre aqueles que apresentam uma guerra que já fez milhares de vítimas como uma cruzada contra o Ocidente: lugar de podridão e declínio de costumes que é preciso salvar, quer os ocidentais queiram ou não.
É do conhecimento geral que o chefe máximo da Igreja Ortodoxa Russa foi, durante muitos anos, informador do KGB, serviços secretos soviéticos e talvez nessa organização tenha aprendido que tudo o que havia na União Soviética comunista era bom, incluindo as perseguições religiosas, e o mal estava todo concentrado no Ocidente capitalista.
Vamos acreditar, embora seja difícil imaginar, que ele fazia isso para evitar perseguições religiosas ou para salvar a chama da Ortodoxia num meio de ateísmo militante.
Mas porque é que ele apoia hoje a guerra contra a Ucrânia? Outra vez pela luta contra o Ocidente? Sim, mas, desta vez, ele vai mais longe.
Paradas gays
A Igreja Autocéfala Ucraniana, a Igreja Uniata (católicos de rito oriental) e a Igreja Católica condenaram imediatamente a invasão. A primeira lembrou o célebre episódio bíblico de Caim e Abel, não sendo necessário explicar quem representa quem neste conflito.
Por outro lado, desde a primeira hora que Cirílio apoia aquilo a que Vladimir Putin chama “operação especial”, embora de ambos os lados combatam ortodoxos fiéis da Igreja Ortodoxa Russa! Milhões de russófonos que vivem na Ucrânia obedecem ao Patriarcado de Moscovo, mas foram baptizados de “neonazis” pelo “czar” delinquente, pois, no lugar de saírem com flores e cânticos à espera dos “libertadores russos”, decidiram pegar em armas e resistir.
Verdade seja dita, nem todo o clero ucraniano e russo da Igreja Ortodoxa Russa aprovou a decisão do patriarca. Por exemplo, Onófrio, metropolita de Kiev e de toda a Ucrânia da IOR, condenou firmemente a invasão do seu país, sublinhando que “esta guerra não tem justificação nem perante Deus, nem perante os homens”.
Porém, os apelos deste metropolita e de outros sacerdotes não levaram Cirílio I a mudar de ideias, bem pelo contrário, o clérigo encontrou razões ainda mais bizarras. Afinal a culpa é das paradas de orgulho gay.
Num sermão pronunciado no passado Domingo, o dia do perdão, na Catedral de Cristo Redentor de Moscovo, considerou que a origem desta guerra são as paradas gays que tentam impor aos habitantes de Donbass: “As exigências a muitos para realizar paradas gay são um teste à lealdade, Tudo o que eu digo não tem apenas a ver com uma importância teórica qualquer e com um sentido espiritual. Em torno deste tema tem lugar uma guerra real”.
“O perdão sem justiça é a capitulação e a fraqueza”- sublinhou.
Cirílio “pequeno”
Cirílio tem seis anos e frequenta a sexta classe de uma escola de Moscovo. Quando assistia a uma aula de propaganda sobre a “operação especial”, perguntou porque é que Putin começou uma guerra (palavra proibida oficialmente na Rússia em relação às tropas russas) e, no intervalo, gritou “Glória à Ucrânia” (palavra de ordem igualmente proibida).
Segundo a mãe dele, depois da aula, recebeu uma chamada anónima a convidá-la para se apresentar numa esquadra da polícia. A directora da turma do menino chamou-a também à escola para um encontro com funcionários da inspecção de assuntos de menores. A senhora não compareceu a nenhum dos encontros e retirou o filho da escola.
No dia seguinte, quando Cirílio estava sozinho em casa, tocaram à porta dois agentes da polícia, ele não lhes abriu a porta e eles cortaram a electricidade e puseram por debaixo da porta uma “chamada para interrogatório”.
Aguardemos para ver o que irá acontecer a Cirílio e à sua mãe, mas já é mais do que evidente qual dos dois Cirílios é o menino e qual é o mais corajoso.
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