1. Por mais que tentemos deixar de escrever sobre Sócrates, e olhar para o futuro, não conseguimos. Nós queremos abandonar os anos de Sócrates, mas eles não nos abandonam. Agora parece que o antigo Governador do Banco de Portugal, Vitor Constâncio, sofreu falhas de memória, quando foi ao Parlamento, e afinal estava a par, e terá validado, um dos empréstimos da CGD a Joe Berardo (no valor de 350 milhões de Euros, não foi um crédito insignificante). Tudo isso aconteceu quando Sócrates era PM. A verdade é que existem muitas falhas de memória por parte das pessoas que ocupavam posições de destaque entre 2005 e 2011. Será caso para perguntar ao actual PM se acha que, tal como afirmou no caso de Berardo, Constâncio também deve uma justificação ao país.
O tema aqui não é a investigação judicial a Sócrates. O que nos interessa são os abusos de poder, as violações do estado de direito e as decisões que levaram o nosso país à falência, e pela qual os portugueses pagaram um preço muito elevado. Os anos de Sócrates foram certamente o período mais negro da história da nossa democracia. O governo tentou controlar a banca, causando prejuízos de biliões de euros que ainda são hoje pagos pelos portugueses. Usou empresas privadas, como a PT, para reforçar o seu poder sobre a imprensa, levando à ruína aquela que chegou a ser a maior empresa cotada em Portugal. Pior ainda, as autoridades judiciais, como a Procuradoria Geral de República e o Supremo Tribunal estiveram subordinados politicamente a Sócrates, tal como Banco de Portugal perdeu a sua independência.
A tentativa de responsabilizar o governo de Passos Coelho pela crise que afectou Portugal entre 2011 e 2013 constitui uma das maiores mentiras e uma das maiores tentativas de branqueamento das ações de um governo durante a história do nosso regime. Meu caro Dr António Costa, não é apenas Joe Berardo que deve pedir desculpa aos portugueses. O PS também o deveria fazer pelos erros graves que o seu governo cometeu entre 2005 e 2011. A gravidade do que aconteceu exige que esses anos não sejam esquecidos. Sobretudo porque não é nada claro que o PS tenha aprendido a lição. É visível que continua a ter dificuldade em lidar com a independência das autoridades regulatórias. Depois da constatação dos lapsos da memória do Dr. Constâncio, o próximo governo socialista não deve, nem pode, nomear um militante socialista para substituir Carlos Costa no Banco de Portugal. Terá que ser uma figura independente politicamente. Aliás não se percebe o silêncio do PSD sobre a matéria. Mas esperemos que o Presidente da República defenda a autonomia e a independência dos reguladores, seguramente uma das suas principais funções.
2. O que terá passado pela cabeça de António Costa para se colocar ao lado de Macron contra Merkel na escolha do futuro presidente da Comissão Europeia? Desconfio que há três razões que explicam o comportamento de Costa, uma entende-se mas duas são más. A primeira razão tem a ver com as mudanças políticas na Europa. Costa percebeu que Merkel está a chegar ao fim e que Macron será uma figura política central nos próximos anos. Decidiu aliar-se ao futuro contra o passado. Faz sentido. Devo ainda dizer que na questão de substância, concordo com Costa: Manfred Weber não reúne as condições necessárias para ser Presidente da Comissão Europeia. Será mau para a União se isso acontecer. Mas na política europeia, e na diplomacia em geral, o modo como as coisas são feitas conta muito. E aqui Costa errou.
Costa entusiasmou-se com a confiança que Macron lhe deu e com a proximidade ao Presidente francês, sendo esta a segunda razão. É típico nos políticos a quem falta em grandeza o que sobre em esperteza política. Costa anda inchado por jantar com Macron para discutir o futuro dos lugares de chefia da União Europeia. Mas a vaidade é perigosa. Costa arrisca-se a ver Macron abandonar os “aliados do sul” (Portugal e Espanha) e a fazer um acordo com Merkel. Um acordo que poderia colocar um francês do PPE (Barnier ou Lagarde) à frente da Comissão Europeia, e um alemão no BCE (Weidmann). Na minha opinião não haverá qualquer problema se Weidmann for escolhido para liderar o BCE, até vejo algumas vantagens. Duvido que seja essa a posição de Costa. Mas o seu comportamento pode contribuir para a chegada de Weidmann à chefia do BCE.
A terceira razão foi o facto de Costa ter decidido comportar-se como o líder de um partido socialista e não como PM de Portugal. Este foi o pior dos erros. No processo de escolha dos presidentes da Comissão Europeia, há uma regra de ouro para os líderes de países como Portugal: nunca se devem comportar como líderes partidários, mas sim como chefes de governos de países com interesses nacionais que vão muito além do contexto da escolha das chefias das instituições da UE. O que ganha Portugal com a hostilidade em relação a Merkel e à Alemanha neste processo? Nada. Merkel está a prazo, mas ainda tem poder. Além disso, tem os números do seu lado. O PPE, os socialistas e os Verdes juntos têm maioria no Parlamento Europeu (406 deputados). Ora, os liberais, os socialistas e os Verdes não chegam ao número mágico de 376 deputados (têm 337 deputados). Isto significa que Merkel poderá fazer uma coligação com os socialistas e com os Verdes para isolar Macron. Se isso acontecer, Portugal pagará um preço pelos entusiasmos precipitados do seu PM.
Para bem do interesse de Portugal, Costa deveria ter uma prioridade: conseguir que Centeno se tornasse Vice-Presidente da Comissão com o pelouro das finanças. E para isso, será fundamental que o Presidente da Comissão seja do PPE.