Quando Cristina Ferreira saiu da SIC retornando à TVI, disse que tinha uma visão de futuro para a empresa. Afirmou que lhe foi lançado um desafio que não podia recusar. No seu regresso à casa de partida, Cristina não só foi encontrar melhor condições salariais, como terá, segundo a própria, investido todas as suas poupanças em acções da Media Capital, empresa detentora da TVI.

Tal como Cristina, António Costa também tem uma visão de futuro, só que neste caso é para todas as empresas (o que não é de espantar, dada a clavidência extraordinária própria dos socialistas). No último plenário no Parlamento dizia, então, Costa a Rio, que o futuro das empresas e as empresas do futuro não são as empresas de baixos salários, concluindo que o salário mínimo teria de continuar a sua trajectória ascensional.

Ainda antes de ir ao que separa, nesta matéria, António de Cristina, permito-me tecer algumas considerações sobre a iluminada frase de António Costa.

Não me debruçando sobre a temática concreta (e sazonal) do salário mínimo, sobre o qual já me referi em Novembro do ano passado (“Salário Mínimo Nacional, quem dá mais?”), há desde logo questões que sobressaem quando lemos o que Costa afirmou.

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Bem sei que António Costa é useiro a pensar só no curto prazo, sempre em jogo tacticista, mas não se pode deixar de questionar, quando o Primeiro-Ministro remete para o futuro das empresas, a que distância estará ele a pensar? Será um futuro próximo ou remoto? Quando fala de empresas do futuro estará a pensar em que empresas? De naves espaciais ou de construção civil lunar? O que entende o secretário-geral do PS por salários baixos? E será que aumentar 50 euros de ano a ano, ou de dois em dois anos, fará deles altos?

Tentanto responder às questões enunciadas, começaria por, em referência à primeira e segunda perguntas por mim colocadas, confrontar o leitor com o paradoxo temporal socialista. Com as políticas socialistas e estatizantes que têm definido o rumo de Portugal nos últimos 25 anos, o país tem estado basicamente estagnado, tem sido ultrapassado pelas economias de Leste e tem deslizado cada vez mais para a ponta da cauda da Europa. Assim, o futuro para um socialista como o Primeiro-Ministro será qualquer coisa como o Regresso ao Passado partindo do futuro e visto no presente. É complicado, eu sei… concepções temporais do reino do socialismo. No fundo, e tornando a imagem mais elucidativa, o futuro está para Portugal e os Portugueses como a cenoura pendurada na ponta de uma cana, segurada pelo cavaleiro, está para um burro. E António Costa já tem experiência em pôr burros em corridas.

Quanto a saber quais as empresas do futuro a que António Costa se refere, é fácil de adivinhar. Serão quaisquer umas em que seja possível colocar apaniguados do partido (ou familiares) ou, em alternativa, que pertençam a alguém do partido (ou familiar), que invariavelmente sejam vencedores de concursos públicos, adjudicações directas, ou receptores de fundos europeus. E até daquelas empresas criadas oportunamente com sede numa Junta de Freguesia.

Já no que concerne a saber o que são salários baixos, a resposta é mais complexa. De facto, é muito comum essa narrativa bipolarizada dos salários baixos de um lado e de salários elevados do outro. Esta ideia foi muito propalada por diversos intervenientes do espaço público e tornou-se um chavão que não poderia estar mais errado. Não há salários baixos ou altos. Há salários relativos a produções e os seus valores são definidos pelo mercado. É óbvio que o salário de um cantoneiro é baixo, quando comparado ao de um piloto de aviões comerciais. Contudo, o valor acrescentado por cada um deles, assim como o mercado de oferta e procura para cada um deles, é muito distinto e, por isso, não é comparável.

Uma economia não é feita apenas dos salários muito baixo e dos muito altos. Existe uma infinidade de combinações de salário/produção, sendo todos importantes para a riqueza de um país, e não é função de nenhum Governo orientar esse universo. Enquanto, em Portugal, se continua a insistir na narrativa do salário mínimo por decreto, o salário médio português vai ficando cada vez mais distante dos salários médios de outros países europeus.

Por outro lado, uma das principais razões para salários baixos é a elevada carga fiscal que se verifica, nomeadamente, em Portugal. É mais um paradoxo socialista. Querem salários altos para poderem taxar mais e com isso arrecadar mais receita fiscal, mas as suas políticas conduzem a salários baixos, deixando-os a desejar salários altos. É complicado, eu sei… concepções económicas socialistas… vá-se lá perceber.

E entre as suas concepções, paradoxos e dogmas, são incapazes de reconhecer as virtudes de outra abordagem fiscal nos rendimentos, como é o caso da proposta da Iniciativa Liberal para o IRS, que permite dar mais liquidez aos trabalhadores, ou, como se costuma dizer, pôr mais dinheiro no bolso das pessoas e das famílias. Custa-lhes reconhecer que o liberalismo é a melhor solução para combater a pobreza.

A resposta à última questão é sim e não. Se, por um lado, é verdade que acrescentar 50 euros a um salário fará dele nominalmente maior, por outro lado, se esse aumento for administrativo e não emanado de um aumento real da produtividade, então, não só não haverá nenhum aumento real, como ainda se pode verificar o oposto. Algo difícil de entender para quem acha que o Estado tudo pode e deve resolver, mas depois acabam, invariavelmente, atropelados e ultrapassados pela realidade.

Mas então o que separa Cristina Ferreira de António Costa?

Cristina Ferreira, ao implementar a sua visão na empresa com a qual tem contrato e da qual detém uma participação social, estará a correr um risco. A sua visão poderá ser bem ou mal sucedida. Caso seja mal sucedida, a apresentadora/directora/administradora poderá, no limite, passar a ser apenas desempregada e detentora de papel para fazer uma bela fogueira. Mesmo que o cenário não seja tão catastrófico, Cristina Ferreira poderá ver o seu vencimento reduzido e o seu património desvalorizado. Ou seja, em bom português, Cristina Ferreira arriscou e atravessou-se pela sua visão, por aquilo em que acredita ter valor.

Então e António Costa? O Primeiro-Ministro foi, e ainda é, livre de colocar em prática toda a sua veia empreendedora, toda a sua capacidade administrativa, todo o seu conhecimento de gestão, todo o seu âmago empresarial, todo o seu planeamento estratégico, toda a sua presciência e a sua visão de futuro. Para isso, em vez de ter feito toda uma carreira de político, poderia ter fundado as tais empresas de futuro e ter ganho certamente dinheiro a rodos com essa sua capacidade distintiva. O que já não é correcto, é impôr isso a terceiros. Analogicamente, é um pouco como escolher os números da aposta do euromilhões de outra pessoa. Como se costuma dizer, “assim também eu”.

Tendo tudo isto presente, atrever-me-ia a dizer que aquilo que separa Cristina Ferreira de António Costa é mais do que um Rio, é tudo. Começando pela coragem de arriscar com o que é seu e não dos outros, e acabando no conhecimento que tem do mundo real.