Sabemos que Santana Lopes e Paulo Portas sempre admiraram Sá Carneiro, e que o início das suas carreiras políticas foi inspirado pelo antigo líder da direita portuguesa. Mas dois políticos experientes, como Santana e Portas, não dão entrevistas por acaso, mesmo quando se celebra os 40 anos da morte de Sá Carneiro. Ora, na semana passada, ambos deram duas entrevistas muito interessantes (e impecavelmente profissionais) aqui no Observador.
Santana e Portas possuem instintos políticos apurados, e perceberam que a coligação de direita nos Açores foi um momento politico muito importante. Depois de anos parado, o comboio da direita partiu. Não se sabe qual é o destino, ou como será a viagem, nem sequer quanto tempo durará. Mas está em andamento, e Santana e Portas não quiseram ficar de fora. Foi isso que anunciaram nas entrevistas que deram. Ou seja, o Chega e a Iniciativa Liberal, contribuindo para a maioria de direita nos Açores, já influenciam o que se passa na política portuguesa. Santana e Portas entenderam isso muito rapidamente, têm ambições e são os dois políticos profissionais. Respiram política, pensam em política de manhã à noite e tudo o que fazem é politico. Nada errado e é inteiramente legítimo. Sempre defendi que a política é para profissionais.
Há um ponto comum entre Santana e Portas. Os seus óbitos políticos já foram decretados várias vezes, mas têm sido todos prematuros, e continuarão a ser. Santana já foi PM, líder do PSD e saiu fragilizado. Foi várias vezes candidato à liderança do PSD, e perdeu. Abandonou o seu partido de sempre e fundou a Aliança, experiência que não correu bem. Portas já foi do PSD, do PP e do CDS, e aparentemente regressou ao PPD (onde Santana sempre esteve mesmo quando fez a Aliança). Foi aliado e adversário de Manuel Monteiro. Atacou e defendeu Freitas do Amaral. Foi eurocéptico e europeísta. Ambos mudaram muitas vezes, ambos sofreram derrotas duras, mas também alcançaram vitórias importantes. A política não é racional e ninguém consegue verdadeiramente explicar a razão porque os dois voltam sempre, a não ser pelo talento que ambos possuem.
O contexto de fragmentação da direita também os ajuda. Permite que possam contar com o apoio do PSD para os combates políticos em que decidam empenhar-se, mesmo tendo ambos abandonado o partido, um muito novo, outro menos novo. Com um PSD com cerca de 40% nas sondagens, a vida seria muito mais difícil para Santana e para Portas. Mas o PSD não passa dos 25%, e a fraqueza de Rio ajuda Santana e Portas a regressarem. Eles perceberam.
As entrevistas, a propósito de Sá Carneiro, serviram basicamente para os dois dizerem que nasceram para a política no velho PPD e na primeira AD, e querem contar nas futuras coligações de direita. Muita gente afirma que Santana e Portas gostariam de ser candidatos das direitas a Belém em 2026. Estou certo que nenhum dos dois fecha a porta a essa possibilidade, mas ambos sabem que só poderão ser candidatos à presidência se Passos Coelho decidir que Belém não faz parte dos seus horizontes. Ou seja, não depende inteiramente deles. Além disso, cinco anos é uma eternidade em política. A questão central para Santana e para Portas é a seguinte: o que vão fazer nos próximos cinco anos para não perderem o comboio político da direita?
Mesmo com um PSD fraco e a precisar de quem tem talento político, haverá uma espécie de franquia a pagar por quem o abandonou. É uma lei da política. Outra lei da política diz que vitórias eleitorais são os melhores remédios para desentendimentos passados. A política nacional entrou numa fase dura e assim continuará. Politicamente, nos próximos anos, Portugal não será um país para amadores, mas para profissionais experientes. Se Santana e Portas querem fazer parte do futuro político da direita, devem estar preparados para combates eleitorais.
Há uma ilusão muito perigosa, à qual podemos chamar ‘a ilusão Marcelo II’. Ou seja, a convicção de que será possível chegar a Belém através da televisão. Esqueçam essa ilusão. Mais ninguém o fará porque Marcelo é único nesse aspecto. Uma coisa é ser um comentador muito bom, outra bem diferente é a capacidade de entrar nos serões das famílias portuguesas de um modo natural (e sem convite). Foi o que Marcelo fez durante décadas (e ainda faz). Mais ninguém o fará.
Se Santana e Portas querem desempenhar um papel relevante no futuro da direita em Portugal, terão que ser candidatos autárquicos. Se não o forem, não estarão irremediavelmente afastados, mas o caminho será muito mais difícil e complicado. A política não se vai fazer apenas nos estúdios de televisão. Vai fazer-se sobretudo nas ruas a conquistar votos e a ganhar eleições.