1 Entrei na sala e estava o dr. Marques Mendes a dizer “oxalá” no écran. Saí da sala pouco depois e continuava o dr. Marques Mendes a dizer oxalá. Eu percebo-o. Que nos resta senão “oxalar” diante de quem nos governa e de quem nos preside? Um amigo meu que maneja o humor como um jardineiro inglês as suas rosas, diz – a sério – que também nos “resta rir”. Prosaicamente, rir. Não consigo. Podia porém chorar uma lágrima de embaraço com os folhetinescos episódios de ministros a contas com a sua estupefacção – no mínimo preguiçosa – face à ética. Costumam confundi-la com legalidade e quando alguém lhes chama – outra vez prosaicamente – a atenção para o equívoco, espantam-se: a actividade que desenvolviam, a propriedade de algo que detinham, os fundos que recebiam, não eram legais? Eram, eram, logo lhes sussurra alguém da infecunda família socialista, confundindo coisas graves, como servir o Estado à vontade do freguês( sem deitar fora as incompatibilidades) ou servi-lo, tout court. Trata-se já uma bela coleção de governantes e governantas, suponho-a bem valorizada no mercado coleccionista mas os tempos não me calham para compras (só vendas, mas infelizmente não posso vender o Governo).

2 Já houvera outras colecções. As peças desta vez não eram feitas de incompatibilidades mas de uma extraordinária espuma de frases. Já ninguém se lembra delas porque a política da maioria foi perdendo credibilidade e já pouco ou nada tem importância. Como se faz o que se quer, se menoriza sem remorso e se atropela quem convém – das oposições, às instituições – também se diz o que se quer (e que importa que os efeitos pudessem ser devastadores se alguma coisa tivesse consequência? )

Há semanas ouvi esta pérola socialista – “a regionalização incomoda? Pois temos pena” – atirada pela ministra da pasta. Sem perceber que é do país que temos pena se Portugal se esquartinhasse sem motivo, nem propósito, por servidoras com “pena” de quem não lhes sirva a elas a ideologia regionalista; a titular da Agricultura também andou com uma colar de palavras ao pescoço digno de coleção, invectivando, com altíssimo despropósito a CAP, a propósito de apoios obtidos submetidos a fidelidades partidárias. Muito mau gosto, imensa má-fé mas uma enorme segurança: ninguém no governo lhe iria à mão. Tinha razão.

Sobre a brutalidade da área incendiado no último verão na Serra da Estrela um responsável socialista tirou-nos de cima, com admirável leveza, o luto e a vergonha: “daqui a 11 anos” vai ser óptimo voltar à Serra da Estrela e observar como ela se acomodou à devastação de onze anos antes e que linda estará daqui a onze anos…; Luís Paixão Martins, dito o “estratega” do PS, leccionando uma aula recente na Academia Socialista não só acarinhou José Sócrates assegurando-nos já não ser ele “ um ativo tóxico para o PS — sob que critério? — “enquanto Passos ainda causa problemas ao PSD”. Oh maravilha… Só abrindo e fechando muitas, (muitas) vezes este leque de espumosas palavras se esconjura, acham eles – socialistas&estrategas – o fantasma de Passos. (Mochila pesada deve ser esta, andar com Passos Coelho, tão alto, às costas, desde há sete anos, santo Deus.)

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Já sobre o novo (?) aeroporto, a minha memória foi incapaz de reter tudo o que de absurdo, de tecnicamente errado, de inútil, de fantasioso, de burlesco até, se tem dito com tanto de incapacidade como de indecisão. Os mesmo ingredientes aliás, com que se tem cozinhado o infindável desastre da TAP e o seu inexplicável percurso de avanços/recuos quanto a intenções, muitas vezes opostas, quando não mesmo contraditórias. (E sabe Deus como sempre andei na TAP, louvei a TAP, preferi a TAP)

Ah mas um dia houve o “sentimento geral”. Uma descoberta, o “sentimento geral”. Tardia, mas “mais vale tarde, etc.” Com magnimidade, a mesmíssima TAP desistiu de se abastecer de BMW – embora “ficassem mais baratos” – e em nome do “sentimento geral” que antes a ninguém passara pela cabeça que a encomenda geraria – manteve “por um ano” os mesmos carros. Louvemos o “sentimento geral”. E se desejo que não fiquem apeados de veículo e motorista, coitados, adoraria poder apeá-los eu, do lugar onde estão. Substituindo-os por outros, como dizer? mais aptos, calhados e dotados para a empreitada. (quem me devolve o dinheiro que eu e mais milhões de portugueses lá continuamos a pôr enquanto esperamos por Godot?)

3 O PS percebendo que os seus primeiros meses de governação tiveram o cheiro a enxofre dos fins de ciclo, anunciou há tempos, nas vésperas de se iniciarem as suas Jornadas Parlamentares, que se apresentaria “fresco e arejado”. Um misterioso assomo de candura após a entronização do pior, mais desconexo e mais inoperante executivo de António Costa. Seguiram-se semanas de episódios ministeriais pouco gratificantes e de incríveis trapalhadas políticas e de comunicação (não havia um comunicador novo em S, Bento?) mas infelizmente não houve um “sentimento” não já “geral” mas “governamental”. Um “sentimento” que mesmo que tardio, sinalizasse que assim, não.

Veio o acordo de Concertação Social, fraquinho em convicção e modesto em resultados e tudo o que com melancólica boa vontade se poderá afirmar é que ele “é melhor que nada”. É, claro. Mas a meia coisa e o meio caminho nunca trouxeram nada de novo (e se a culpa cabe ao Executivo quanta responsabilidade não cabe à passividade dos parceiros sociais?). Onde esteve a indispensável concertação á roda de grandes objectivos que alterem o curso do país, retirando-o do alçapão onde caiu (mesmo que a propaganda, cujo som foi aumentado, diga que não)?

Depois veio o Orçamento. Trouxe a prioridade máxima das contas certas, directamente herdada do tal fantasma que “embaraça o PSD” e que as esquerdas temem e esconjuram porque o sabem (ao fantasma) melhor do que elas a lidar com a dificuldade. Seja: contas certas, diminuição da divida para um patamar de menos perigosas consequências nacionais e europeias. É patriótico e evidentemente necessário. Mas… como se pode lidar com tanta certeza sobre a própria incerteza da inflação, do comportamento de outras economias, do evoluir da guerra? Como é possível anunciar – quando não, prometer – um próximo ano com menos sombras do que aquelas que já ancoraram sobre o nosso português céu?

Há intervenções conjunturais sob a forma de apoios, ajudas, medidas tendentes a minorar quotidianos pesados e futuros sombrios. Isto é, há o “sentimento geral” no governo de que não se pode deixar portugueses a morrer de fome ou de frio. O que não há é a passagem do Cabo Bojador do conjuntural para o estrutural. Da medida, para a reforma; da rotina cepa- torta para um golpe de rins. Do afã e afinco ao Estado à indispensabilidade da criação de riqueza, de onde deriva o aumento dos salários, de onde derivaria outra vida. Da pobreza à ambição, numa palavra.

4 O país não irá colapsar e sempre que colapsou, de há nove séculos a esta parte, descolapsou… Os meus filhos ralham-me muito por terem uma mãe fatalista, explico-lhes (sem sucesso) que a direita que se preza é pessimista.

Eles que conjuguem o verbo “oxalar”.