Diz o fado que não é desgraça ser pobre. Garante a História que desgraça é acreditar que não se pode viver doutro modo. E o modo de vida em Portugal é o socialismo mendicante, aquele em que se desistiu de viver melhor pois apenas se procura pagar menos impostos e ter direito a uma tarifa social.
Já temos tarifa social de acesso à internet, mais tarifa social de gás, tarifa social de água e tarifa social de energia (pronuncie-se “social” com aquela inflexão-esgar de Ferro Rodrigues e percebe-se melhor o aviltante de tudo isto!) Renda social, segura e assistida. Isenções de pagamento de taxas moderadoras no SNS, das custas na justiça… Chegou agora o anúncio de que o Governo vai pagar às empresas para elas conseguirem pagar o salário mínimo aos seus trabalhadores.
O sonho de ganhar mais deu lugar à aspiração de conseguir uma tarifa social. Se esta acumular com uma isenção ainda melhor. Casos há, como o da Justiça, em que o Estado encareceu de tal forma as taxas e custas que cobra, que não ter direito à respectiva isenção se traduz na maioria dos casos em não ter acesso à justiça. Quando o bastonário da Ordem dos Advogados afirma “A justiça só está acessível aos muito ricos e aos muito pobres” está a falar de uma realidade, o acesso à justiça, e a desenhar um retrato do país lobotomizado por décadas de socialismo. Um país em que os ricos (leia-se aqueles que têm capacidade de influência no estado) vivem cada vez mais isolados na sua redoma e os muito pobres ficam aprisionados no seu ghetto de apoios.
O nosso grau de habituação ao absurdo é tal que só ao vermo-nos de fora damos conta da anormalidade que nos rodeia e do esbulho de que somos alvo: “Assim funcionam as portagens na Europa: dos 99% de vias gratuitas em França aos 1.000 milhões que cobra Portugal” titulava ontem o ABC numa Espanha que discute se deve ou não pagar portagens. Algo lhe soa estranho nesta frase? Serão os 99% de estradas sem portagens em França?
Portugal é hoje um país mendicante dos fundos europeus habitado por um povo que trocou a aspiração de viver melhor pelas contas de diminuir nos seus rendimentos: “Um terço das pessoas pobres em Portugal tem emprego” – avisava já este ano o INE. Não por acaso cada vez se fala menos de trabalho e de trabalhadores. O que temos agora são comunidades, apoiados, sinalizados, referenciados… gente que anda com papelinhos a provar que tem direito a mais uma isenção e a duas tarifas sociais. Ou ao contrário que vai dar ao mesmo.
Esta cultura da dependência face ao Estado leva a que se aceite todo e qualquer abuso de poder (a ocupação do Zmar não aconteceu por acaso!) e que se desvalorize a produção de riqueza. Por exemplo, o fecho do comércio durante a pandemia era inevitável? Em 2021, em Madrid, Ayuso não fechou os restaurantes, nem os cabeleireiros, nem as livrarias, nem os mais diversos comércios. Pelo contrário o horário destes estabelecimentos foi alargado de modo a permitir-lhes funcionar sem concentrações de clientela. Por cá vigorou o modelo leninista de fechar tudo e anunciar apoios, tarifas sociais, programas de assistência.
Todo este socialismo assistencialista, vem sempre embrulhado num palavreado de momentos históricos, combates mundiais, avanços civilizacionais, enfim um festival de luz e propaganda que ofusca uma realidade cada vez mais bruta. Um dos momentos símbolo desta fobia da realidade que caracteriza o socialismo aconteceu durante o “momento histórico” da Cimeira Social do Porto (aquela cimeira de que não se encontra rasto na imprensa dos outros países da UE). Enquanto aquele friso de líderes saudava o vazio e se desdobrava em declarações sobre o momento histórico, o género, a inclusão, os pilares da Europa…, saía um estudo que fazia as contas àquilo que há muito se sabe em Portugal e se esconde naquele lado do palco que os holofotes do momento histórico não iluminam: «só com aumentos de impostos na ordem dos 22 por cento se consegue manter o atual modelo de pensões. A alternativa a esta subida de impostos é uma perda de 19% nos benefícios de reforma.»
Vamos falar sobre isto? Nem pensar. O socialismo conduziu os portugueses a uma ratoeira: entretidos a discutir a adesão das comunidades LGBTB às ciclovias, o racismo de dona Urraca, o machismo de dom Dinis e o assédio sexual no governo de Sidónio, prosseguem na sua marcha para a pobreza.
Diz o fado que não é desgraça ser pobre. Ou pelo menos não tem de ser. Contra a pobreza luta-se. Desgraça é de facto acreditar que não se pode viver doutro modo. E para cúmulo chamar-lhe progresso.
PS1. 4 de Maio de 2021. 18h10. Mérignac, arredores de Bordéus. Uma mulher foge do homem que a persegue. Ele dispara-lhe para as pernas. Ferida, ela cai. Ele despeja-lhe gasolina em cima, depois pega-lhe fogo. Sim, esta semana uma mulher de 30 anos foi queimada viva em França. Mas sobre este crime não encontramos quase o rasto nas notícias portuguesas. E contudo ele corresponde a tudo aquilo que agora mobiliza as indignações: Chahinez foi assassinada pelo marido; Chahinez tinha apresentado várias queixas a denunciar as violências a que ele a submetia; Chahinez era imigrante argelina e o marido francês. Contudo a morte de Chahinez foi ignorada. Porquê? Porque os imigrantes só interessam quando se desdobram em declarações de ódio à cultura e à história dos países para os quais escolheram vir viver. Ora Chahinez “queria viver como uma francesa”. E não menos importante neste silenciamento da sua morte, o seu marido, Mounir, é também argelino e o único machismo que interessa denunciar é o da Europa cristã.
PS2. É certo que a França fica em Marte e que lá se fala um idioma remoto apenas dominado por meia dúzia de especialistas mas mesmo assim uma mulher a ser queimada viva é algo que se esperava tivesse suscitado um bocadinho de interesse nas redacções.
PS3. Proponho uma recolha de fundos para que se compre um cadeirão portátil para oferecer a Charles Michel, o presidente do Conselho Europeu que se sentou ao lado de Erdogan e deixou Ursula von der Leyen a olhar para o lado. Charles Michel anda agora entusiasmadíssimo com a possibilidade de se levantarem as patentes às vacinas. Caso tal aconteça o cadeirão portátil vai ser utilíssimo ao sr. Michel quando surgir outra epidemia e ele tiver de ficar sentadinho à espera das vacinas criadas nos laboratórios estatais ou quiçá provenientes da Venezuela ou da Coreia do Norte.