Eu não sei se o aquecimento global existe. Provavelmente não, já que a própria ortodoxia passou a substituir o termo por “alterações climáticas”, expressão que acolhe mais ou menos tudo o que acontece das nuvens para baixo. Também não sei se as alterações climáticas existem. Provavelmente sim, já que sempre existiram desde que a Terra é Terra, e não há nenhum motivo para terem terminado justamente há dez minutos ou um século. A benefício da conversa, vamos todos admitir que as alterações climáticas são reais. E que são provocadas pelo Homem. E que o Homem é o sr. Trump. Ou o clã Bush. Ou Ronald Reagan. Ou qualquer presidente americano e republicano dos últimos oitenta anos, os rostos naturais do capitalismo selvagem que ameaça o futuro dos nossos filhinhos, coitadinhos.
Nem assim se justifica o empenho de umas dezenas de cientistas portugueses em impedir uma conferência na Faculdade de Letras do Porto, a realizar no corrente fim-de-semana. Pretexto? Ora essa: a conferência é protagonizada por um “lóbi” de “negacionistas” das alterações climáticas, leia-se os sujeitos não gozam de “credibilidade” e “favorecem a desinformação” através de “ideias cientificamente infundadas”, leia-se aquilo é uma gente que não respeita o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), leia-se os biltres discordam dos inquestionáveis vultos que assinaram uma “carta aberta” ao reitor da instituição.
Não tenciono discutir o conceito de credibilidade científica em matérias que mudam tão depressa quanto um dia soalheiro cede lugar à trovoada (analogia deliberada). Ou evocar o currículo de impoluta seriedade do referido IPCC. Ou recordar com saudade as falecidas previsões do marido de Tipper Gore, a criadora do código moral para as letras das canções pop. Ou duvidar que técnicos esclarecidos receiem ver as respectivas convicções abaladas por um punhado de alegadas patranhas. Para facilitar, continuo a aceitar que os nevões e as secas têm origem antropogénica e perversa, e que a vida era boa era no Paleolítico e que urge acabar com as fontes poluidoras, excepto os aviões que carregam com cientistas para seminários onde se debate, em plena concórdia, os perigos do progresso.
Porém, porque é que a ciência se indigna com os ditos charlatães do clima e deixa em paz os charlatães restantes, no mínimo igualmente ameaçadores? Não conheço muitas cartas abertas contra certas vigarices, mentiras e equívocos que andam por aí à solta, sem contraditório nem sombra de razoabilidade. As “medicinas alternativas”. A Festa do “Avante!”. O “Avante!”. O candomblé. A importância dos “afectos”. Os “cantautores”. O “fervor clubístico”. A propaganda do governo. O patriotismo. O exotismo. Os tarólogos. O “anti-sionismo”. As Irmãs Mortágua. As “dietas milagrosas”. A “informação” das televisões. A “auto-ajuda”. A “auto-estima”. A auto-peças Teixeira e Filhos. Etc. Etc. Etc.
Se descessem do púlpito para me responder, os veneráveis cientistas explicariam que as calamidades acima não lhes dizem respeito na medida em que não decorrem sob legitimação académica, a qual deveria estar reservada ao Saber com “s” grande e à Razão com “r” maior. O problema, diriam, é o acolhimento da Universidade aos terríveis “negacionistas” das alterações climáticas. Muito bem.
Por acaso, frequentei durante meia década a exacta instituição agora criticada. Na Faculdade de Letras do Porto, tentaram, e presumo que ainda tentem, ensinar-me Marx como se Marx fosse para levar a sério, e não enquanto uma curiosidade folclórica equivalente à dança da chuva (analogia forçada) ou aos faquires. Pior, além de Marx perpetrava-se e perpetra-se o estudo de “pensadores” marxistas, cada um mais atreito a alucinações do que o anterior. Ó Deus do Céu: cheguei a ouvir por ali referências bibliográficas ao hoje ministro Santos Silva e referências não jocosas ao prof. Boaventura “de” Sousa Santos. O que nunca ouvi foi um grupo de cientistas furiosos e prontos a salvar a juventude de semelhantes trafulhices. Na época, vi-me obrigado a salvar-me sozinho, tarefa simples numa matéria que, ao contrário das alterações climáticas, não se limita a um aparentemente sólido quadro teórico: a fraude socialista está provada na prática.
Contas feitas, não me queixo. Excepto para os pacóvios dispostos a acreditar nelas, a exposição a extravagâncias sortidas diverte e, principalmente, assegura o direito à atoarda que quase todos prezam e quase ninguém defende. Se negar as alterações climáticas for uma tolice, não é diferente de tantas tolices que preenchem a nossa vida em sociedade – e na Universidade. Uma coisa é poder rir das tolices, outra é querer proibi-las. De proibições está a História cheia, e seria expectável que os avanços científicos, que muito as sofreram, contribuíssem para um clima (repararam?) de liberdade. Ironicamente, se a ciência é isto, a ciência enganou-nos.