Afinal de contas, quantos ovos devemos comer por dia? O que se consideraria tomar café em excesso? Embora estas perguntas sejam legítimas, as respostas, espelhadas em diversos estudos, são muitas vezes contraditórias. Usei exemplos básicos, mas poderia usar um argumento qualquer de um político, pois, afinal de contas, também eles são, muitas vezes, contraditórios. As nossas convicções, enquanto cidadãos, determinam o desenrolar das nossas vidas, pois é com base nelas que tomamos decisões. Assim, tomar café em excesso não impacta tanto na nossa vida como votar ou desenvolver uma opinião complexa sobre um tema.

Numa era em que circula demasiada informação a uma velocidade incrivelmente rápida, o tempo para a julgar diminui e uma pessoa cai mais facilmente no ridículo, porque acaba a defender uma patranha qualquer, com base em alguma coisa que leu e nem se lembra onde. Se não me estou a fazer entender até agora, talvez falar de fake news seja um tema mais familiar. Estas notícias falsas surgem precisamente para manipular as massas, porque quem as produz pensa que o leitor dificilmente vai duvidar da veracidade da informação. Sejamos honestos, a generalidade das pessoas tem esse espírito crítico? Não quero, com isto, criticar essa lacuna nas pessoas, mas sim, a alertar para os perigos dessa falta. Também não tenciono filosofar sobre o que é a verdade. Quero apenas realçar que é da maior importância duvidar, investigar e contrastar para melhor chegarmos a ela.

Para dar um exemplo mais complexo da importância de ler a informação, de a criticar e contrastar (porque toda a história tem dois ou mais lados), recordo, de uma forma muito resumida, a situação caótica que a Colômbia viveu nos anos 80 e 90. Os famosos cartéis de narcotráfico de Cali e Medellín, o último liderado por Pablo Escobar, operavam no país, atacando o Estado, ao mesmo tempo que os vários movimentos guerrilheiros, de espírito marxista, como o M-19, o ELN e as FARC o atacavam também, capturando proprietários de terras, pois eram um símbolo do capitalismo. Neste contexto, esses proprietários, perante a dificuldade evidente do Estado em protegê-los, começaram a criar grupos paramilitares de autodefesa. Note-se que, embora os cartéis e as guerrilhas atacassem o Estado, eles não se davam bem, pois as guerrilhas olhavam para o narcotráfico como uma forma de capitalismo. Por outro lado, os paramilitares, os terratenentes, colaboravam muitas vezes com os traficantes, pois eles precisavam de território para fazer passar as drogas e os paramilitares precisavam de dinheiro para financiar os seus esquemas de proteção contra as guerrilhas. Se a descrição do período da “guerra suja”, como ficou conhecido, parece complicado, imagine-se, naquele tempo, chegar à verdade. Quando aparecia um morto, era difícil determinar se era um guerrilheiro, um paramilitar, um traficante ou um simples civil inocente. Dada a importância de chegar à verdade, criou-se a Comissão da Verdade, entidade replicada em vários países, com o objetivo de determinar imparcialmente os factos da guerra.

Com este exemplo complexo pretendeu-se destacar a importância da busca da verdade, esse processo que floresce com uma simples dúvida ou questionamento. Se a pessoa não se questionar nunca, aceitará argumentos como factos e recusará aceitar factos, encarando-os como argumentos. Outro exemplo? Na política, especialmente na nossa, a mentira abunda e a verdade escasseia, porque a promessa, quando parece verdade, nada mais é que um argumento (deles para conquistar o nosso voto). Os populismos, neste contexto, começam a singrar, porque parecem ser a opção menos má do mundo da mentira, quando na verdade são apenas convincentes, usando frases simples e apelativas onde dificilmente alguém não se identifica com elas. Os partidos moderados deviam, por isso, deixar de fingir estar surpreendidos pelo aumento dos extremos políticos, porque é a sua falta de qualidade que leva as pessoas a votar neles.

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Temos, no nosso país, um governo que troca ministros a qualquer hora e inventa questionários para, não só não assumir as responsabilidades das suas más decisões, como também para as tentar imputar a outros, incluindo o Presidente da República. Temos a saúde de rastos, lembrando que as futuras mães têm de acertar com a maternidade aberta, uma justiça tão boa que se torna má, pois é tão lenta que aqueles que roubam o país conseguem mais depressa uma indemnização qualquer do que efetivamente ser condenados. Temos uma educação em que os professores é que parecem ser os nómadas digitais, afogados em burocracia e instabilidade. Temos um SEF que recebe milhões de chamadas por dia de pessoas que precisam de cumprir prazos estabelecidos por lei e não conseguem e onde há outras pessoas fora do circuito a vender senhas para fazer agendamentos na instituição. Temos um mercado da habitação totalmente destrutivo para os jovens, pois o estrangeiro vem e compra o que quer. Já os portugueses têm de conviver, nomeadamente nas cidades grandes, com preços para estrangeiros.

A maioria dos salários querem-se baixos, porque os grandes são temperados com impostos abusivos. Um salário de 1000€ brutos custa mais de 1200 à empresa e a pessoa leva para casa 779€, ou seja, quase o salário mínimo. Trabalha-se, muitas vezes para comer, mas, fazendo as contas, só há um que come e todos sabemos quem é.

A procura pela verdade e pelos factos torna-nos mais esclarecidos, críticos e imunes a polémicas como as eleições nos EUA ou no Brasil, torna-nos mais conscientes das verdades das guerras e da política dos políticos ou até de quantos ovos devemos comer por dia. Já no nosso país, parece que a política, em vez de melhorar os factos, fica-se pelos argumentos. Uma pessoa que aceita tudo ou, pelo contrário, critica constantemente só revela que tem a necessidade de refletir profundamente sobre a informação que obtém ou que lhe aparece. A procura pela verdade deve impor-se ao achar que se sabe ou ao “não me interessa”, porque, afinal de contas, tal como o caso colombiano demonstrou, sem verdade não há justiça e, sem esta, não há paz.