No passado dia 22 de Fevereiro, em excelente artigo de opinião, aqui escreveu José Ribeiro e Castro: “Quando os responsáveis pelo governo da Igreja em Portugal são chamados com humildade, discernimento e coragem, a prosseguir o virar da página no tema dos abusos sexuais na Igreja, não posso faltar”.

Também sinto o dever de manifestar o meu agradecimento aos nossos Bispos, reunidos estes dias em Fátima, precisamente para analisarem o relatório agora elaborado: “Quero agradecer-lhes a fortaleza com que encetaram o caminho da Comissão Independente [CI] e confiaram nos efeitos dos seus resultados. Quero agradecer o ânimo e a serenidade com que acompanharam esta etapa” difícil da história da Igreja católica que peregrina no nosso país. Obrigado!

A hora é, certamente, das mais tristes que, como Igreja, nos foi dado viver nesta terra de Santa Maria, que tem por sua Padroeira e Rainha a Senhora da Conceição. Não obstante a proteção da Imaculada, a Igreja portuguesa manchou-se pelo pecado infame daqueles que, embora constituídos, pelo Sacramento da Ordem, imagem e semelhança de Jesus Cristo, macularam com a sua incrível torpeza almas inocentes, que lhes tinham sido confiadas para que, através do seu ministério e da sua vida, conhecessem Aquele que é amor (cf. 1Jo 4, 8.16).

Quanta vergonha por todos e cada um desses pecados! Quanta tristeza por cada vítima! Quanta revolta por cada corpo inocente profanado criminosamente! Quanta indignação por cada família defraudada pelos ministros que, com a sua indesculpável malícia, traíram, como outros Judas, a sua confiança!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nesta hora, em que tantos têm atacado os nossos Bispos, é de elementar justiça agradecer-lhes a coragem de promover um estudo sobre os abusos de menores na Igreja portuguesa. A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) sabia, à partida, que o resultado dessa investigação seria necessariamente doloroso, porque bastaria um caso para que toda a Igreja se sentisse envergonhada por tão terrível infâmia.

Em todas as celebrações eucarísticas nós, os cristãos, confessamos: “Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa!” Não nos desculpamos, acusamo-nos. Aceitamos a vergonha como expiação e oferecemos às vítimas o propósito sincero de nunca mais pecar, nem permitir, tolerar ou encobrir pecados que, na expressiva linguagem dos velhos Catecismos, bradam aos Céus.

Se um só abuso já seria demais, também um único caso revelado pela CI já teria justificado a sua existência e investigação. Mesmo que os seus resultados não tenham precisão matemática, chegou-se, com a certeza possível, à triste conclusão de que não houve apenas um caso, nem uma dezena, mas muitos mais.

Este trabalho não teria sido possível sem o empenhamento da CEP. Obrigado, pois, aos Bispos de Portugal, pelo seu empenho em desvendar a verdade e por esta sua determinação em fazer justiça e praticar a caridade com as vítimas e as suas famílias. Mesmo que tardia, esta atitude do episcopado português é pioneira, no contexto das instituições do nosso país, públicas e privadas, laicas e religiosas, em que grassam estes crimes. Queira Deus que todas elas sigam este exemplo, para a total erradicação dos abusos de menores no nosso país.

Na sessão, em que foi apresentado o relatório da CI, estavam presentes vários Bispos. Teria sido mais cómodo evitar esse humilhante confronto com uma realidade tão vergonhosa e não faltariam pretextos, até pastorais, para justificar a falta de comparência.

Contudo, num gesto de indiscutível humildade, o episcopado respondeu afirmativamente à chamada e esteve presente, assumindo a sua quota-parte de responsabilidade pelos abusos de menores na Igreja portuguesa, nas últimas sete décadas. Mesmo que só alguns Bispos estivessem presencialmente no local, pode-se afirmar que, em espírito e comunhão, todo o episcopado estava lá. Não fugiram, não se esconderam, nem se desculparam: estando presentes, assumiram uma culpa que, não sendo de nenhum Bispo pessoalmente, é da Igreja em Portugal. Por isso, foi importante a presença da CEP na primeira fila, dando a cara pelos horrores que então foram revelados e que, sendo sobretudo culpa dos abusadores, são também, de algum modo, uma falta de todos nós, Igreja portuguesa.

Feita a confissão, reafirmada a disposição de punir os culpados e tomadas as medidas necessárias para prevenir novos crimes, está cumprida a penitência devida pelos abusos de menores no seio da comunidade católica em Portugal. Agora, é a hora do “virar da página no tema dos abusos sexuais na Igreja”, na feliz expressão de Ribeiro e Castro. Assim como ao inverno sucede a primavera, também a esta dolorosa quaresma se deve seguir o jubiloso anúncio da Páscoa de Jesus, que há-de ser igualmente da sua Igreja, qual Fénix renascida das cinzas.

Há dois mil anos, os Apóstolos não se deixaram abater pela traição de um deles, Judas Iscariotes, nem pela tripla negação de Pedro que, contudo, sempre reconheceram. Depois da descida do Espírito Santo, pregaram, com coragem e alegria, a ressurreição do Senhor e as “maravilhas de Deus” (At 2, 11).

Esta é, aliás, a tradição da Igreja, desde os tempos apostólicos: “Andai no amor, a exemplo de Cristo, que nos amou e se entregou a si mesmo por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de suave odor. Nem sequer se nomeie entre vós a fornicação ou qualquer impureza (…) como convém a santos; (…) mas antes acções de graças a Deus” (Ef 5, 2-4).

Este é também o programa do Papa Francisco que, logo n’A alegria do Evangelho, a Exortação Apostólica programática do seu pontificado, desafiou bispos, padres, religiosos e leigos para a aventura de uma Igreja em saída! Não uma Igreja, como pretende o clericalismo, de portas fechadas para a humanidade, autorreferencial, centrada no seu poder ou imagem, como se existisse para si mesma, ou para agradar ao mundo, mas uma Igreja missionária, ao serviço da verdade e do amor que Deus é. Aliás, não faltam, no horizonte próximo, exigentes objectivos de apostolado eclesial, como as próximas Jornadas Mundiais da Juventude.

Aos Bispos de Portugal, que não cederam ao pessimismo, nem ao desânimo, e sobretudo, sem desculpabilizações cobardes, nem triunfalismos bacocos, nos animarem a prosseguir animosamente no caminho da santidade e do anúncio da Boa Nova, obrigado! Quanto deve a Igreja portuguesa ao seu exemplo e magistério! Atrevo-me a dizer que é toda a Igreja que peregrina em Portugal que, do fundo do coração, o diz: obrigado!

P.S. 1 – Como já respondi ao artigo, no Público, de João Miguel Tavares, não preciso de o fazer ao outro Miguel, também Tavares, mas Sousa, que, no Expresso, disse mais do mesmo. Miguel Tavares, o Sousa, que só é quem é pelos pais que teve, acusa-me de ser ‘betinho’ [sic]. Ninguém melhor do que ele saberá, por experiência própria, o que isso é. Miguel Tavares, o Sousa, declara-se não católico (de facto, é anticatólico), mas pretende dar lições de teologia e até – imagine-se! – de moral!! Decididamente, há pessoas que não têm a mínima noção do ridículo. Rezo pelos dois Miguéis Tavares, o João e o Sousa: que Deus tenha piedade deles … e de nós!

P.S. 2 – A propósito da crónica que escandalizou alguns e agradou a muitas mais, copio um testemunho publicado no Observador: “Não raras vezes discordo do Sr Pe. PdA [Padre Portocarrero de Almada]. Nesta ocasião, no entanto, creio que tem toda a razão. Admiro-lhe a superior inteligência e elegância do seu raciocínio. Nunca lhe li qualquer outra opinião que não uma fortíssima condenação em relação aos casos de pedofilia na Igreja. Não vejo como JMT, com quem concordo amiúde, possa criticar o Sr Pe. PdA, quer na forma quer no conteúdo. Escolheu seguramente o Padre errado.”