Putin é a maior ameaça à segurança europeia desde o fim da União Soviética, cujo império pretende reconstruir. O discurso de segunda feira à noite para anunciar o reconhecimento das duas repúblicas separatistas da Ucrânia foi dos exercícios políticos mais brutais a que assistimos nos últimos anos. Putin não se limitou ao reconhecimento de Lubansk e de Donetsk. Negou o direito dos ucranianos de viverem num país independente. Putin anunciou a vontade de acabar com a independência da Ucrânia, dividindo-a, no melhor dos cenários, ou anexando-a, na pior das hipóteses. Ou seja, o reconhecimento das repúblicas separatistas de Dombass não foi o fim da crise, mas o início da tentativa de ocupação russa da Ucrânia.

Não sabemos quais serão os próximos passos, nem como serão, mas sabemos que Putin não ficará por aqui, caso contrário não teria feito o discurso que fez. Aliás, em 2014, quando justificou a anexação da Crimeia, Putin não negou o direito da Ucrânia à soberania. Também não sabemos qual será o horizonte temporal de Putin para a sua estratégia. Mas há sinais de que pode ter cometido um erro fatal. Não é a primeira vez que um ditador desvaloriza os líderes das democracias. Putin não leu a Democracia na América de Tocqueville, e não entende que perante ameaças externas, as democracias demoram a reagir, mas quando reagem podem tornar-se imparáveis.  Ainda é prematuro para estarmos certos de que os líderes das democracias ocidentais estarão à altura das suas responsabilidades, mas há alguns sinais positivos.

A interpretação que Moscovo oferece da história da Rússia e da Ucrânia pode ser a mais correta, mas se a identidade nacional ucraniana foi sempre vaga e difusa, desde 2014, Putin tudo fez para criar uma nação ucraniana; e aparentemente conseguiu.

Depois da terrível presidência de Trump, e das tentações euro-asiáticas da Alemanha e da França, o futuro da relação transatlântica estava em causa até há uns meses atrás. Putin deu-lhe uma nova vida. Os americanos perceberam que a política mundial não está reduzida à Ásia, e os europeus entenderam que a aliança com os Estados Unidos é indispensável para a sua segurança. Mais, sem a relação transatlântica, a Europa perde profundidade geopolítica e fica reduzida a uma península da Ásia. Hoje, ninguém questiona o futuro da NATO. Graças a Putin.

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Putin conseguiu ainda reaproximar o Reino Unido da União Europeia. A ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, e Borrell coordenaram as suas posições em relação às sanções. E Boris Johnson falou com os outros líderes europeus, sem terem que tratar das fronteiras da Irlanda da Norte. Como disse um diplomata europeu, “a crise da Ucrânia marca o regresso do Reio Unido pós-Brexit à Europa.”

Por fim, parece que Putin até está a conseguir devolver a orientação atlanticista à diplomacia alemã, uma questão central, mas ainda longe de estar confirmada. Ao contrário de Macron (o síndroma Gaulista é um peso terrível para os Presidentes franceses), Scholz tem feito as coisas como deve ser. Foi a Washington antes de ir a Moscovo. E parou em Kiev antes de chegar a Moscovo. Macron só foi a Kiev no regresso de Moscovo. Estes sinais em diplomacia contam muito.

Uma posição firme em relação a Moscovo pode trazer muitos benefícios políticos a Scholz. Pode consolidar a sua posição de líder de uma coligação de três partidos e, simultaneamente, reforçar o seu poder no SPD, onde muitos o olham como um perigoso liberal. Pode matar definitivamente a herança vergonhosa de Schroeder, um dos piores exemplos do político de negócios. Saiba Scholz colocar os interesses políticos à frente dos interesses comerciais. Se o fizer, será o líder da UE e o maior aliado dos Estados Unidos. E poderá agradecer a Putin.