Há várias maneiras em que podemos ler um Orçamento de Estado (OE). Neste artigo abordo apenas quatro. O orçamento enquanto parte de uma estratégia política do governo. O grau de realismo do cenário macroeconómico. Em que medida considero que os objetivos para o défice e a dívida serão alcançados. Finalmente, quais as prioridades de despesa e se elas serão ou não concretizadas.

O Orçamento é a mais importante proposta de lei anual do governo. É por isso natural que faça parte de uma estratégia política do governo. Aquilo que vem nos manuais de economia política ou de public choice são três coisas. Um partido que queira ganhar novamente as eleições deve: i) satisfazer o eleitor mediano, isto é situar-se no centro de espetro político, ii) tomar as medidas mais difíceis no início da legislatura e deixar as mais agradáveis para o fim e iii) avaliar cada medida em termos do seu custo-benefício eleitoral. O governo está a fazer as três coisas. Primeiro, ao adoptar, e bem, a necessidade de reduzir o peso da dívida e do défice, o governo está a ocupar o território tradicional do PSD, esvaziando parte daquilo que constituiu e constitui a sua identidade programática. Depois, o primeiro OE desta legislatura (OE2022) foi impopular, pelo menos para os mais de 700.000 trabalhadores em funções públicas que viram uma atualização salarial de 0,9% para uma inflação esperada de 7,4%. Este também não será muito popular, pois as medidas tomadas de apoio às famílias e empresas estão longe de compensar quer a contínua subida da inflação quer o aumento das taxas de juro. Finalmente, o desenho das medidas deste orçamento, ao privilegiar os estratos sociais de menor rendimento (nos salários e nas pensões), tem simultaneamente o máximo impacto nos eleitores ao menor custo financeiro. Aqui juntam-se preocupações sociais, com a maximização do impacto eleitoral do OE.

 

Uma condição necessária para se ter um bom orçamento é basear-se num cenário macroeconómico credível. Vivemos uma situação de incerteza, sobretudo no que toca à guerra da Ucrânia, e por isso a realidade pode revelar-se diferente desse cenário. Os riscos são, a meu ver, no sentido descendente em relação ao crescimento do PIB e ascendente no que toca à inflação. A manter-se a guerra é provável que as pressões nos preços na energia, nos bens alimentares e nos custos da habitação provoquem uma estabilização do consumo privado em 2023 e não um aumento. Se tal acontecer em vez da economia crescer 1,3% como prevê o governo passará a crescer apenas cerca de 0,8%. As empresas privadas ainda não recuperaram dos efeitos da pandemia e do acrescido endividamento, e as medidas que constam no actual orçamento não são suficientes para terem um impacto significativo em particular no setor exportador (à excepção do turismo que deverá permanecer com vitalidade).

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A questão que se pode colocar é saber se um menor crescimento e maior inflação poderão fazer perigar os objetivos para o défice e para a dívida. Estou convencido que ambos os objetivos serão alcançados por um conjunto de razões. Tudo indica que o défice em 2022, à semelhança de 2021, será menor que o anunciado pelo governo. As cativações elevadas, a que a gestão orçamental do partido socialista nos habitou, permite ter as folgas orçamentais necessárias para ajustar no final do ano qualquer eventual desvio em relação à meta do défice. Infelizmente, a execução do investimento publico será menor daquilo que é orçamentado. Tudo isto, que não é bom para a economia, contribui, porém, para que ambos os objetivos possam ser alcançados.

As prioridades de despesa não podem ser facilmente identificadas pois o governo não facilita a tarefa. Não apresenta um quadro resumo com a despesa efetiva de cada programa orçamental. Não faz a consolidação da despesa da maior componente da despesa pública – trabalho e segurança social – dos subsectores da administração central e segurança social. No OE apresenta valores comparativos da despesa em cada programa orçamental em 2023 com a estimativa da despesa executada em 2022, e não da despesa orçamentada para 2022. A Conta Geral do Estado (CGE2021) apresenta a despesa executada, em percentagem da orçamentada, mas esta líquida de cativos (para melhorar a fotografia…). Apesar de toda esta falta de transparência, facilmente ultrapassável, há duas coisas que sabemos. Se olharmos para a CGE2021 vemos os programas (aproximadamente ministérios) que tiveram taxas de execução mais baixas: o Mar, a Economia, as Infraestruturas e Habitação, a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e finalmente o Ambiente e Ação climática. Todos estes não gastaram, cerca de um quarto do seu orçamento (já depois das cativações). Que interessa discutir um orçamento se ele não é executado? Olhando agora para o OE2023, consegue ver-se que dos cinco programas orçamentais com menor execução (que agora são quatro pela junção da Economia com o Mar) há dois que têm um significativo reforço orçamental (a Cultura e o Ambiente). Portanto, baixa execução e reforço da orçamentação. Ficamos com dúvidas sobre a capacidade de realizar a despesa prevista. Nestes dois programas e também no de governação (que engloba a administração) e da agricultura os reforços orçamentais também são muito significativos, mas centram-se claramente ou em investimentos, ou em transferências de capital ou em aquisição de bens e serviços, sempre relacionados quer com o PRR quer com o Portugal 2030.

Grande parte da capacidade de execução do orçamento de Estado, e de efetivar um verdadeiro impacto económico e social dependerá da capacidade de realizar, direta ou indiretamente, os investimentos previstos. Tendo em conta que o governo solicitou a reprogramação para a frente do PRR, não vislumbramos como tal poderá ser possível. Apesar, e talvez também por isso, não há riscos significativos de não se atingirem as metas orçamentais. O governo é cauteloso, deverá alcançar as metas, ainda que por caminhos diferentes dos anunciados, mas não contribui suficientemente para o relançar da economia. Trata-se de um orçamento politicamente inteligente, mas pouco ambicioso.