A audição do Ministro dos Negócios Estrangeiros na Assembleia da República, no âmbito do processo orçamental, é uma oportunidade para determinar prioridades e afirmar, perante o Parlamento e o país, quais são as linhas de força da política externa portuguesa. O Ministro Augusto Santos Silva, na sua audição e ao seu estilo, a que já nos habituou, tentou desviar as atenções dos temas principais que afetam a diplomacia portuguesa. As comunidades portuguesas, as empresas exportadoras e toda a rede diplomática portuguesa foram remetidas para segundo plano, por iniciativa do próprio Ministro.

Quando a oportunidade de esclarecer o que quer para 2021 surgiu, na audição que discutia o Orçamento do Estado, o Ministro Augusto Santos Silva preferiu falar do resultado eleitoral do Açores, dos partidos que compõem a Assembleia Regional dos Açores e da solução governativa que se perspetiva. Em vez de ser Ministro, escolheu ser comentador.

Augusto Santos Silva é um dos políticos mais experientes de Portugal. Desde 2015 que está na linha da frente deste Governo, como Ministro de Estado, como teve responsabilidades de governo nos executivos de António Guterres e de José Sócrates. Importa não esquecer, nem ignorar. Por toda a experiência política que acumulou ao longo de largos anos em posições de destaque, Santos Silva percebe bem quando tem motivos para destacar a sua governação ou para a secundarizar. Ao fim de cinco anos de Governo e nas vésperas de um ano decisivo para a política externa portuguesa, Santos Silva escolheu secundarizar a sua própria governação e mascarar as fragilidades governativas com comentário político à atualidade. De um Ministro responsável por uma área de soberania esperava-se mais, mas não surpreende. Além de já nos ter habituado a um estilo, a uma postura e a um discurso agressivo (que parece não ter com os seus homólogos, mas que facilmente assume com os partidos da oposição), Santos Silva sabe que o Governo do qual é figura cimeira, enfrenta problemas sérios, num panorama que quis ignorar. Sobre as redes 5G e a recente polémica que fez “capa de jornal”, nem uma palavra, mas a verdade é que o Ministro dos Negócios Estrangeiros (por vezes não parece ser, mas é) enfrenta uma crise dos 5 G’s. Vamos por partes.

  1. Galamba. A estratégia do Hidrogénio Verde mereceu críticas de uma forma transversal. O Governo está a falhar na transição energética, colocando um peso enorme na fatura dos consumidores e sem conseguir provar qualquer capacidade para exportar a produção desta energia. Aquele que foi apresentado como o maior projeto industrial capaz de exportar milhões, parece mais uma startup para energia que nos pode custar milhões. Mais grave, um projeto em fase inicial que já tem problemas com a Justiça. O hidrogénio verde não é mau, mas o projeto do Governo é.
  2. Gentileza do Primeiro-Ministro António Costa com o Primeiro-Ministro Viktor Orban. Dialogar com o primeiro-ministro húngaro não é o mesmo que defender todas as ideias que o levaram a ser eleito. As posições coincidentes e concertadas entre António Costa e Viktor Órban são na medida das suas funções governativas. Se fosse aplicada a linha de raciocínio de Augusto Santos Silva estaríamos perante uma clara aproximação ideológica. Até é aceitável criticar as opções de qualquer primeiro-ministro, mas seria demagogo dizer que Viktor Órban se revê na ideologia de António Costa e vice-versa.
  3. Guaidó. Para Portugal, Juan Guaidó é o legítimo Presidente da Venezuela, depois da Assembleia Nacional da Venezuela assim o declarar. Neste país, onde reside uma forte comunidade portuguesa, a posição de Portugal importa. O problema político da Venezuela é prova da importância que um Ministro dos Negócios Estrangeiros tem. Contudo, este e outros problemas das comunidades portuguesas não foram a principal preocupação para o Ministro Augusto Santos Silva na sua última deslocação ao Parlamento.
  4. Geringonça. Ainda que recauchutada, com a saída do Bloco de Esquerda e a entrada de novos parceiros, é um projeto político em fim de vida. O PS passou os meses de julho a setembro a dizer que precisava do BE e não precisava do PSD. Entretanto, não fez o que o país precisava para aguentar a segunda vaga do surto pandémico. O pior é que o PSD nunca quis nada com o PS e o BE deixou de querer estar com os socialistas. Falhou a estratégia política do Governo e não há estratégia para a segunda vaga. Quando se substituem os projetos nacionais pelas agendas políticas, o resultado é a desorganização. Hoje, temos um país sem a preparação governativa adequada e a lutar contra uma pandemia onde o improviso do Governo é compensado pela coragem de quem está na linha da frente. Quando devíamos ter estado concentrados na preparação desta segunda vaga, a prioridade foi o entretenimento com jogos políticos.
  5. Governo Regional dos Açores. Este tema é institucionalmente preocupante. Quando o Ministro dos Negócios Estrangeiros vai ao Parlamento e decide discutir o resultado eleitoral dos Açores, criticando os partidos que compõem a nova maioria governativa, é clara a pergunta que surge. A opinião do PS sobre o novo Governo Regional dos Açores também será considerada na relação com o Governo da República, só porque o PS não gosta da escolha dos açorianos? De um Ministro dos Negócios Estrangeiros espera-se uma posição firme sobre questões de política externa, como a Base das Lajes (justamente nos Açores), mas em lugar disso tivemos comentário político.

Estes 5 G’s assombram o Ministro Augusto Santos Silva em 2020. Outras letras do alfabeto se seguirão em 2021. O que não podemos esquecer, é que nos últimos 20 anos Santos Silva foi ministro em 13. Está intrinsecamente ligado à condição em que o país se encontra e quando tem a oportunidade de falar no Parlamento sobre a sua governação prefere ser um Ministro dos Negócios Estrangeiros que comenta as eleições dos Açores. Portugal tem problemas estruturais e um dos principais reside no sistema político. Este é o pior momento da nossa democracia para os principais responsáveis preferirem ser comentadores em vez de decisores.

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