A denúncia do acordo parlamentar nos Açores por parte da IL vem adensar as nuvens de dúvida sobre a viabilidade da construção de uma alternativa de governação multipartidária à direita do PS. Em entrevista televisiva recente, o Presidente da República frisou que embora as sondagens pareçam apontar a existência de uma alternativa aritmética ao governo socialista não existe ainda uma alternativa política ao PS.
Marcelo, sempre arguto como analista e comentador político, teria aqui principalmente em mente a rejeição por parte da IL de qualquer possibilidade de entendimento com o CH ou mesmo de entrar num acordo de incidência parlamentar com o PSD se este envolver indirectamente o CH. Essa linha vermelha, reforçada pelo novo líder Rui Rocha, basicamente eleva o patamar necessário para constituir uma alternativa sustentada de governação ao PS a três cenários principais: uma maioria absoluta do PSD (muito improvável no actual contexto), uma maioria PSD-IL (possível mas para já bastante difícil) ou uma maioria PSD-CH (mais viável de acordo com as sondagens mas nem por isso menos problemática).
A ruptura nos Açores vem acrescentar uma nova dimensão de dificuldades a este puzzle. De facto, a quebra evidencia que mesmo o cenário de uma maioria PSD-IL (que pareceria relativamente pouco problemático) pode não gerar uma solução governativa estável. Ora este é um desenvolvimento preocupante para a direita, particularmente num momento em que a possibilidade de haver eleições antecipadas antes do final da legislatura ganha alguma tracção.
Não sei o suficiente sobre a situação política regional nos Açores para me pronunciar sobre a distribuição de responsabilidades pela ruptura do acordo mas importa assinalar algumas evidências. A primeira é que a ruptura acontece pouco depois da eleição de um novo líder nacional da IL que declarou publicamente várias vezes ser contra o acordo subscrito pela IL nos Açores que permitiu retirar o PS do poder. Sem colocar em causa a importância dos factores específicos regionais e a autonomia da IL Açores e do seu líder Nuno Barata, não é possível deixar de pensar que a assertividade pública de Rui Rocha contra o acordo nos Açores (por contraste com a posição de João Cotrim Figueiredo) deve ter criado condições mais propensas à ruptura.
A segunda evidência é que, apesar de haver múltiplos partidos envolvidos (PSD, CDS, PPM, IL e CH), só a IL entrou até agora em ruptura. Aliás, se a crise política nos Açores se concretizar e levar à queda do governo regional, a IL pode ficar na posição pouco confortável de aparecer como parceiro com quem não se pode contar para construir uma alternativa política de governação ao PS. É certo que a IL poderá alegar que não deve dar cheques em branco de apoio incondicional ao PSD mas a razoabilidade desse argumento dependerá crucialmente da percepção do eleitorado sobre o contexto anteriormente descrito.
Certo é que, caso a fórmula (inteligente) tentada na experiência dos Açores colapse, mesmo o espaço para a construção de alternativas de governação ao PS ficará notoriamente mais exíguo. O problema de saber como formar uma maioria estável à direita do PS num espaço político mais fragmentado agravar-se-á, não sendo claro até que ponto o actual PSD conseguirá capitalizar essa situação a favor do voto útil para uma hipotética (e para já longínqua no horizonte) maioria absoluta.
Assim, os dois beneficiários mais claros da consumação de uma crise política nos Açores serão provavelmente o PS – que verá reduzidas as possibilidades de o PSD poder governar sem ter maioria absoluta – e o CH – que apesar de ser genericamente percepcionado como o parceiro mais problemático e menos fiável à direita, poderá apontar para os Açores como um exemplo de uma situação na qual contribuiu objectivamente para a formação de uma alternativa de governação ao PS, a qual acabou inviabilizada pela ruptura da IL.