Desde a invasão da Ucrânia, a União Europeia proibiu os meios de comunicação russos, incluindo RT, Sputnik, RIA Novosti, Voice of Europe, de publicar ou transmitir dentro do espaço comunitário. Todavia isso não impediu que os artigos de “opinião” e “notícias” veiculados por esses órgãos de propaganda de Moscovo, circulassem, traduzidos ou adaptados, em inúmeros sites disponíveis à distância de um click, ou em espaços mediáticos mais sérios, por indivíduos e organizações de algum modo ligados à Rússia, por simpatia ideológica, por hostilidade partilhada para com o Ocidente, ou por outras razões mais prosaicas ligadas ao auri sacra fames de todos os tempos e lugares.
As narrativas russas assim despejadas sobre os cidadãos de outros países, procuram criar desconfianças sobre a informação aberta das democracias, exacerbar divisões e, no caso das guerras em curso, desacreditar a Ucrânia, a OTAN, os EUA, as democracias, e amplificar as vozes que, por esta ou aquela razão, se opõem à ajuda à Ucrânia e ao apoio à OTAN.
Sobre o que se passa no Médio Oriente e na Ucrânia, a CNN Portugal e a SIC Notícias dão tempo de antena a vários especialistas militares, de relações internacionais, estratégia, história, etc.
Embora, como seres humanos, todos tenham as suas próprias visões do mundo e isso acabe por ficar mais ou menos patente nas análises que fazem, a maioria procura equilibrar os comentários, evitando passar mensagens e narrativas tendenciosas.
Há, porém, três que marcam a diferença. Não pelo brilhantismo das intervenções, muito menos pelo equilíbrio, mas exactamente pelo oposto: aquilo que parecer ser o descarado enviesamento em favor dos inimigos das democracias, como o Irão, Rússia, China, e outros.
Trata-se do general Carlos Branco, do general Agostinho Costa e do professor Tiago André Lopes.
Os estilos são diferentes, uns mais sibilinos que outros, mas todos eles convergem na notória hostilidade ao Ocidente, particularmente aos EUA e a Israel, que apenas lhes suscitam críticas, adjectivos tremendos, condenações, reprovações, sarcasmos e ironias
E, por simetria, todos, quando chamados a comentar, introduzem, com mais ou menos subtileza, expressões de compreensão, simpatia e até admiração pelos inimigos deste mesmo Ocidente, do qual, no fim de tudo, fazem parte.
Nesse aspecto nada diferem do sectarismo do PCP e de outros grupos e partidos que parecem nadar no mesmo caldo.
Se o fazem por ideologia, por ressentimento ou por outras razões quaisquer, é algo que está aberto à investigação de quem o quiser fazer, mas o facto de serem abertamente tendenciosos, é iniludível.
Se parece pato, soa como um pato, age como um pato….é pato!
Os exemplos disso são abundantes, basta ler ou ouvir as suas intervenções mediáticas para imediatamente descobrir o gato mal escondido, com o rabo ostensivamente de fora.
Por exemplo, sobre a recente incursão de forças ucranianas na região russa de Kursk, o general Branco, em 08 de Agosto, dois dias depois de a operação começar, não hesitou em classificá-la como “kamikaze”, dizendo que a Ucrânia estava a “rapar o tacho” e a jogar a última cartada. A táctica aqui é a do sarcasmo e da desacreditação.
Sem dar conta da óbvia contradição, avançou, contudo, que o objectivo dos ucranianos era a Central Nuclear de Kursk. Como se não soubesse que esta instalação está a 100 km da fronteira e uma força de menos de 10 000 homens só nos filmes pode fazer uma tal cavalgada mecanizada em território inimigo, conquistar um objectivo longínquo e consolidar a sua defesa.
Ora, esta é exactamente a narrativa do Kremlin, sem tirar nem pôr. Para Moscovo trata-se de uma “aventura terrorista”, e está sempre tudo controlado e contido.
Os porta-vozes da propaganda russa no Ocidente, reproduzem fielmente, embora com nuances locais, as narrativas e as tácticas russas de deitar o barro à parede e criar desconfianças sobre a informação ocidental. Em Portugal, essas vozes estão omnipresentes nos meios de comunicação mainstream.
Na melhor das hipóteses é um hino à liberdade de expressão, que bastante jeito faz ao ditador russo. Na pior, é mesmo muito pior!
Na mesma intervenção, o general Branco não hesitou mesmo em mentir descaradamente, afirmando que o avanço ucraniano estava contido e que havia 3 unidades ucranianas em risco de serem cercadas. Era o que veiculavam para Moscovo os responsáveis russos na zona, a começar pelo comandante das forças chechenas, e que o general Branco prontamente debitou para as audiências nacionais.
Já passaram 3 semanas e estas profecias do “especialista militar”, como tantas outras que vem fazendo ao longo do que parece ser esta sua nova carreira de porta-voz oficioso das posições do Kremlin, não envelheceram nada bem.
Quatro dias depois, em 12 de Agosto, o general voltou à carga. Que a operação ucraniana era uma tentativa frustrada, que a força ucraniana tinha perdido a iniciativa, que eram unidades que se moviam como “baratas tontas”, e que Zelensky estava desesperado.
Surpreendidos os russos? Só aparentemente, claro. Avançou até com umas teorias da conspiração emanadas dos habituais sites da propaganda russa, segundo a qual tudo isto era um engodo dos russos, uma maskirovka. Que ele não compartilhava, fez questão de ressalvar, depois de a ter lançado para a mesa, como aquele comensal que entra no restaurante e pergunta em voz alta se desta vez a sopa não tem moscas. E citou a TASS, claro, essa credível agência de “notícias” que, em tandem com a PRAVDA, fazia as delícias dos crentes, nos saudosos tempos soviéticos.
Apocalíptico, garantiu mesmo que a Ucrânia sacrificou território no Donbass para ter “momentos tik-tok”, como precisou em 15 de Agosto, também na CNN. Descredibilizar, fazer sarcasmo, desvalorizar, são técnicas consagradas da propaganda russa, e o general Branco parece saber bem disso desde os seus tempos áureos na União dos Estudantes Comunistas.
Nesta altura, embora a Ucrânia continuasse a manobrar dentro da Rússia e a apoderar-se de povoações, o general reafirmava convictamente a narrativa russa, de que estava tudo contido e a manobra ucraniana era apenas para satisfazer os “patrocinadores”, ou seja os países democráticos que ajudam o país invadido a defender-se. Talvez consciente da enormidade da tirada propagandística, jurou que as palavras não eram dele, mas do próprio Zelensky. O facto de ninguém ter ouvido Zelensky a dizer tal coisa, parece ser um pormenor de somenos para o general. As suas “fontes” parecem bastar-lhe como atestados da verdade.
O general concluía a homilia do dia 15, proclamando que esta operação era uma ameaça existencial sim, mas à Ucrânia. Curiosamente, as mesmas palavras proferidas pelo Sr. Lukashenko, o capataz de Putin na Bielorrússia. Não, não é coincidência, é simplesmente a mesma narrativa que todos os louvaminhas do Kremlin no Ocidente, debitam obedientemente.
Para o general, a conclusão é óbvia: Zelensky vive numa realidade virtual.
Como é óbvio, nunca o general disse tal coisa de Putin, que continuar a ver uma “operação militar especial” na guerra total que lançou contra a Ucrânia e uma “operação terrorista” na operação ucraniana em Kursk. Presume-se que, para o general Branco, esta é também a realidade “real”.
A 18, já o general Branco, frente a um mapa colorido, manifestava a sua admiração pelo génio militar russo, ao dizer que estava sobretudo surpreendido pela rapidez com que o avanço ucraniano tinha sido contido. Sublinhe-se, em abono do general, que aquilo que há dois dias eram meros “momentos tik-tok” passaram à categoria de avanços, que terão acontecido apesar de o general garantir duas semanas antes, que os russos já tinham contido tudo. No entretanto, duas pontes russas voaram, ou mesmo três.
Porquê? Porque, nas palavras do general, os ucranianos “ainda têm alguma iniciativa”, apesar de ele mesmo, do alto da sua qualidade de “especialista” ter, duas semanas antes, garantido que não, adiantando mesmo que estavam a ser “apanhados à mão”. Já as pontes não tinham qualquer importância estratégica, afiançou. De que estratégia fala o general, só ele saberá.
Onde o general claramente se indignou foi quando referiu, com firmeza, as notícias (de quem?), de que as forças ucranianas estavam a levar civis russos para a Ucrânia. Era algo da “maior gravidade” e uma clara “violação do Direito Internacional”, comentou.
O que não se entende, é onde andou a indignação do “especialista militar”, ao longo destes anos de guerra, nos quais a Rússia não fez outra coisa senão violar todas as normas do Direito Internacional, a começar pela invasão de um país soberano, passando pela decapitação de prisioneiros, tortura de militares e civis, limpeza étnica, ataques a hospitais, sequestro de crianças, massacres e outras malfeitorias.
Por que razão os jornalistas da CNN Portugal e da SIC Notícias não questionam as proclamações destes “especialistas” e lhes permitem pontificar sem contraditório?