O Presidente da República envolveu-se directamente nas negociações com vista à aprovação do Orçamento de Estado para 2022 (OE 2022). Tudo normal? Nem por isso. Por um lado, ouvimos os habituais apelos à estabilidade política, que marcam a sua Presidência desde o primeiro mandato. Mas, por outro lado, Marcelo passou o risco. Fê-lo quando usou como argumento para a aprovação do OE 2022 um eventual surgimento de nova pandemia — o que será isto, senão a manipulação pelo medo? Passou o risco quando dramatizou a situação e equivaleu a não-aprovação do OE 2022 a uma crise política — ora, refira-se que em vários países europeus há orçamentos que não passam à primeira e governos em gestão durante meses. E, por fim, passou o risco quando estabeleceu contactos directos com deputados, para os convencer a virar o seu sentido de voto e até a quebrar disciplinas partidárias (com o PSD-Madeira) — o que é verdadeiramente inconcebível.

A tradução é simples: Marcelo pisou o risco porque não aceita limites e porque se deixou levar pelo erro de percepção de que ter um Orçamento péssimo aprovado seria melhor do que ter um Orçamento rejeitado. Talvez o tenha feito para, na opinião pública, legitimar a sua posição e tornar claro que exerceu todos os esforços para evitar um cenário de ruptura. Ou talvez o tenha feito porque, simplesmente, acreditou mesmo nesse erro de percepção. Na prática, faz pouca diferença: o Presidente da República colocou na cabeça dos portugueses que valia tudo para aprovar o OE 2022 — e fez mal.

As medidas que o PS e os parceiros da geringonça negociaram em público converteram o OE 2022 numa manta de retalhos. Pior: várias das exigências de BE e PCP, como as da legislação laboral, constituem retrocessos graves. Como tal, o ponto tornou-se este: o amontoar de cedências do PS à sua esquerda converteu a aprovação deste OE 2022 na pior solução possível para o país. Não haja qualquer dúvida: a ideia de que a aprovação do OE 2022 e que a estabilidade política são bens em si mesmos, e que por isso justificam a adesão a este vale-tudo, é completamente errada. Nada é pior do que ter um OE 2022 que faz o país recuar, em vez de avançar.

O segundo erro de Marcelo foi informar que, perante a não-aprovação do OE 2022, iniciaria muito rapidamente diligências para dissolver o parlamento e convocar eleições legislativas, que nesses termos se poderiam realizar logo em Janeiro. Esta pressa é contraproducente. Desde logo, porque saltou etapas — não ouviu partidos nem o Conselho de Estado, decidiu antes de os factos estarem consumados. Mais importante ainda: até para preservar a estabilidade política e garantir o regular funcionamento das instituições, o Presidente da República deve ter em conta a situação dos partidos da oposição — e estes estão em processos de eleições internas. Goste-se ou não, dê jeito ou não, as coisas são mesmo assim: sem partidos, não há democracia. Não há qualquer vantagem para o país em ir para eleições legislativas em circunstâncias temporais que impossibilitam PSD e CDS de apresentar ao eleitorado as suas equipas (haja ou não mudança de lideranças), explicar as suas propostas e fazer campanha nas ruas. Com eleições em Janeiro, tal seria impossível — haveria apenas tempo para as eleições internas. A razoabilidade impõe que as eleições legislativas só possam realizar-se a partir de meio de Fevereiro.

Marcelo errou ao agir como se valesse tudo para a aprovação do OE 2022. E errou quando apontou a eleições em Janeiro (quando a direita está em renovação). O que têm estes erros em comum? Servem as intenções de António Costa — que aprecia a dramatização à volta da aprovação do OE 2022 e beneficiaria da impreparação da direita num calendário eleitoral apertado. É tudo uma grande coincidência? Talvez haja quem acredite que sim. Mas, na política, o que parece é.

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