As greves dos professores ocorrem, em 2022/23, após três anos lectivos afectados pelas restrições impostas pela pandemia — 2019/20, 2020/21, 2021/22. Há vários estudos que comprovam o impacto negativo das greves longas na aprendizagem e alguns estimam que, a partir de 10 dias de interrupção de aulas, esses danos começam a manifestar-se. Ora, este é o quarto ano lectivo consecutivo em que as escolas tentam funcionar entre a instabilidade, a incerteza e o caos. Há, por exemplo, alunos que completarão o 1º ciclo do ensino básico integralmente frequentado em condições anormais — ou seja, repleto de interrupções às actividades lectivas e respectivas consequências para a sua aprendizagem. Este contexto é tão factual quanto inultrapassável, e seria um erro olhar para o lado e fazer de conta que o contexto é outro.

Após uma acumulação brutal de danos na aprendizagem e no desenvolvimento das crianças e jovens, o país deveria estar unido à volta da missão de recuperar a aprendizagem perdida nesses três anos lectivos. Os dados internacionais apontam para retrocessos significativos, que variam em gravidade consoante os países — estima-se perdas de um terço da aprendizagem, sendo que em alguns países as perdas equivalem a cerca de um ano lectivo completo. Sendo valores médios, importa não esquecer que os alunos em risco de insucesso escolar e de origens socioeconómicas desfavorecidas sofreram danos ainda mais profundos: ou seja, alargou o fosso das desigualdades sociais, assim como deveria ter aumentado a urgência em resgatar as crianças e jovens que ficaram para trás.

Uma constatação óbvia é que o país não assumiu realmente esse compromisso de “recuperação da aprendizagem”. Por um lado, o Ministério da Educação decidiu negar a realidade e agarrou-se a um sucesso fictício: afinal, os alunos portugueses teriam melhorado entre 2019 e 2022 — uma espécie de milagre que faria de Portugal aquele único país do mundo imune às perdas de aprendizagem na pandemia. Por outro lado, os professores em greve bloquearam o funcionamento das escolas desde Dezembro e por tempo indeterminado, impedindo de forma prolongada a realização normal das aulas. Ou seja, em vez de recuperar a aprendizagem, governo e professores contribuíram, cada um à sua maneira, para agravar o dano já existente.

Independentemente das considerações que se façam sobre as greves em curso nas escolas, o que escrevo acima está suportado por inúmeras evidências. As opiniões surgem depois: uns dirão que, por causa desse contexto, estas greves de longa duração são irrazoáveis; outros dirão que se mantêm legítimas e necessárias, apesar do contexto. Não vou entrar no braço-de-ferro. O meu ponto é simplesmente este: a legitimidade formal das greves não apagará o contexto em que estas acontecem, nem este deve ser escondido — pelo contrário, deveria constituir um forte apelo ao equilíbrio, de modo a não esticar os limites negociais até a corda se partir.

Infelizmente, parece que a corda vai mesmo partir-se. Após terem conseguido um recuo do Ministério da Educação quanto à descentralização da contratação docente, os sindicatos subiram o nível das reivindicações indesejáveis, no sentido em que agravam os problemas sistémicos existentes. Não falo dos aumentos salariais ou da melhoria das condições laborais, mas sim da organização do sistema educativo: não será com mais centralismo na contratação ou com carreiras mais assentes no tempo de serviço (em vez de no desempenho) que a profissão se tornará atractiva para os jovens, ou sequer que será exequível contratar 34 mil novos professores até 2030. A rede pública está sob ameaça de colapsar nos próximos anos por falta de professores e ninguém à mesa das negociações parece importar-se com isso.

Com razão e também sem razão, os professores iniciaram uma série longa de greves que, pelo que se assiste, contribuirá negativamente para aprofundar os desafios educativos do país. Porque está a agravar os danos na aprendizagem. E porque os sindicatos pedem mais centralismo ministerial, quando o que se precisa é de mais liberdade e autonomia nas escolas. Eis o que me preocupa e vejo tão ausente do debate público: a bomba poderá rebentar nas mãos do governo, mas os estilhaços cairão sobre a cabeça dos alunos.

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