Em entrevista de 1971, o músico Frank Zappa anunciou a sua versão de revolução: “É tempo para uma revolução, mas provavelmente não como as pessoas a imaginam. A palavra parece evocar imagens de uma versão moderna de camponeses com forquilhas invadindo as propriedades dos ricos para redistribuir a sua riqueza pelos trabalhadores. Mas não é este o tipo de revolução que tenho em mente.” Para Zappa, a revolução moderna deve assumir uma versão mais eficiente e sem violência: “Será uma espécie de infiltração. O que está errado hoje é que as pessoas que controlam os media e o governo, e que regulam a vida das pessoas normais, não estão a fazer um bom trabalho. Elas não se interessam verdadeiramente. Por isso, devemos substituí-las por pessoas das gerações mais novas que se interessem. O potencial está nessas gerações mais novas.”
A sua renúncia à revolução total e violenta coloca-o, no quadro norte-americano, dentro da tradição liberal burguesa: as mudanças seriam feitas dentro do espírito democrático e liberal, com um amplo respeito pelas liberdades reconhecidas pela Constituição norte-americana. E Zappa empenhou-se em particular na luta pela mais importante dessas liberdades com a sua declaração perante o Congresso, em 1985, pela defesa da livre expressão. As novas gerações deveriam ser, aos seus olhos, os arautos desta liberdade.
Há um espírito gramsciano nesta ideia de revolução cultural que deve preceder a revolução política e foi esse papel que as universidades norte-americanas tentaram desempenhar ao longo das últimas décadas (muito inspiradas na Declaração de Port Huron, redigida em 1962 por Tom Hayden). Os novos curricula garantiriam às novas gerações as ferramentas necessárias para desconstruir a realidade, identificando as estruturas de poder e denunciando os múltiplos modos de opressão que subjazem a essas estruturas. Dotadas dessas ferramentas, elas seriam capazes de produzir a mudança certa e as universidades teriam cumprido a sua função.
A academia passou, então, a ocupar um espaço central na política norte-americana, como assinala Mark Lilla: “Até à década de 1960, os agentes ativos da política liberal e progressista eram recrutados maioritariamente na classe operária ou em comunidades rurais e recebiam a sua formação política em associações políticas locais ou nas linhas de produção das fábricas. Esse mundo desapareceu. Hoje, esses agentes formam-se politicamente, quase em exclusivo, nas universidades e pertencem às profissões eminentemente liberais do direito, do jornalismo e da educação.”
Lilla critica este modelo de educação liberal, centrado nos aspetos identitários e no vocabulário da opressão estrutural, por considerar que esta estratégia divisiva (aparentemente suspensa para efeitos de eleição de Joe Biden) tem determinado o sucessivo falhanço do Partido Democrata. Mas Lilla não esquece os efeitos mais amplos desta transformação política: ela tem-se traduzido numa crescente diminuição do espaço democrático de discussão e deliberação. Centrados na sua reivindicação de acesso privilegiado à verdade e a uma moralidade inabalável, muitos elementos destas novas gerações têm promovido uma luta contínua a todos aqueles que pensam de forma diferente, invocando o direito a não serem ofendidos por quem não partilha da sua visão do mundo.
Recordemos Francis Fukuyama, no seu livro dedicado às identidades: “Que um argumento seja ofensivo para o sentimento do valor próprio de alguém é muitas vezes julgado suficiente para o deslegitimar.” Ora, este posicionamento provoca uma erosão profunda do espaço democrático, porque assenta na ideia perversa de que se alguém discorda da nossa opinião é porque está objetivamente errado. Se alguém apresenta argumentos que não colhem a nossa visão do mundo é porque tem um projeto oculto para nos enganar. Se alguém questiona a nossa noção de justiça é moralmente culpado.
E este aspeto é especialmente relevante na luta que é feita hoje às fake news, inclusive em Portugal. Uma coisa é procurarmos desmontar informação falsa; coisa diferente é considerar como falsos argumentos com os quais não concordamos. Mas as fronteiras estão cada vez mais diluídas: para muitos bem-intencionados, os argumentos, os objetivos e o vocabulário usados ou são os seus ou o outro torna-se um alvo a abater. Para esses, o que realmente importa é não nos submetermos a uma opinião que nos desagrada ou não deixarmos que outros nos interpelem num sentido diferente do nosso.
O mais recente exemplo desta onda persecutória, que se tem expandido pelo mundo ocidental, aconteceu em resultado da decisão tomada pela Penguin Random House do Canadá de publicar o novo livro de Jordan Peterson: a decisão da editora gerou, mais do que protestos, choros infantis por parte de alguns membros da empresa. Douglas Murray, incansável na sua luta contra a insanidade das massas, já se posicionou sobre o assunto. Mas seria certamente Zappa o mais contrariado pelo seu desejo: afinal, parte dessas novas gerações, que carregavam em si tantos sonhos, têm pouco interesse em liberdade, democracia e respeito pela diferença.