Uma sala de espera que se preze tem sempre meia dúzia de revistas do ano passado, uma Hola e um exemplar de capa dura das melhores paisagens do Tibete. Na parede, sobrevive uma cópia murcha do Guernica que desafia teimosamente as maleitas dos pacientes. Isto era uma sala de espera para quem realmente esperava.

Hoje, só vejo um corredor de cabeças curvadas sobre uma janela que se segura entre as mãos. Ninguém tem a ousadia de conversar, não se fazem considerações sobre o tempo nem elogios ao bebé que nos sorri da cadeira em frente, mas trocamos furiosamente trezentos caracteres com um desconhecido que está do outro lado do Atlântico. Já não damos pela demora nem pulamos da cadeira quando chamam o nosso nome. Causa-nos até um certo aborrecimento, porque têm a ousadia de interromper o momento em que estávamos a participar no mundo com gostos e bonequinhos coloridos, que expressam sentimentos e dão rosto às nossas emoções.

Somos seres digitais, modernos e tecnologicamente emancipados. Temos orgulho no feed alinhado com o melhor da nossa suposta vida, onde as escolhas são refinadas, as opiniões têm superlativo valor, onde estamos sempre mais magros e mais altos, vivemos de comida saudável e colorida, em casas imaculadas que realçam o nosso charme mesmo em pijama e cara lavada de ontem. Ironicamente, nada mais somos que um hamster preso numa roda, um rato que percorre quilómetros sem sair do lugar, na ânsia de superar a imagem postada há segundos.

Vivemos presunçosos numa linha trendy, boho-chic, onde uma lixeira pode ser sinónimo de estilo dependendo do enquadramento. Mas não passamos de uns parolos, uns pacóvios à mercê de um algoritmo, num plano desfigurado da realidade. Uma rede de contactos alimentados a toques no ecrã, que é mais vasta e mais vistosa do que os três amigos verdadeiros que nos ligam no aniversário, porque se lembraram mesmo de nós e não precisam de alertas para saberem quando estamos desamparados e sós.

Inevitavelmente estamos quase todos lá. A assumir o nosso papel num paralelo fictício, mais fácil, frenético, no qual recebemos como verdadeiro o que nos é oferecido, inevitavelmente mais propício a exageros, uma vertigem alimentada por uma paleta de filtros impossíveis de replicar. Subimos ao palco numa tela aos quadradinhos onde as personagens sabem o seu lugar: o protagonista influenciador, o interveniente por uma causa, o crítico descrente, voyeur mudo, artista despretensioso, partidário do contra… o que quisermos ser, dependendo do talento, do descaramento e da coragem de cada um.

Passamos horas no beiral desta janela portátil como vizinhas curiosas. Debruçados sobre tudo sem absorver quase nada. Atentos e cautelosos para não nos deixarmos cair. A minha avó dizia que a cabeça é mais pesada que o corpo. Concordo com ela mais do que nunca, porque se há tempo em que nos esvaziamos de matéria e nos poluímos com informação inútil, esse tempo é este.

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