Quem já leu alguns dos meus artigos sabe o quanto tenho sido crítico sobre a forma como se faz política em Portugal, a falta de coerência existente, a representação digna de teatro ou cinema, o dizer uma coisa e o seu contrário consoante as conveniências, etc. Esta semana na discussão do Orçamento aconteceu isso mesmo.

Quando o PS esteve um pouco mais de oito anos no Governo, foram vários os grupos parlamentares que articularam com a ANCC (Associação Nacional dos Cuidados Continuados), nomeadamente comigo, relativamente a questões sobre cuidados continuados, em particular propostas de aumentos de preços dos valores das diárias a pagar pelo internamento dos doentes em sede de discussão do Orçamento do Estado. Foi assim com a IL, CDS-PP (antes de desaparecer do Parlamento), PSD e CHEGA.

Entretanto, agora temos um Governo suportado pelo PSD-CDS. O Grupo Parlamentar do CDS, regressado ao Parlamento, deixou de ter qualquer interesse nesta matéria, a IL a mesma coisa, apenas o CHEGA e PSD voltaram a articular com a ANCC. No entanto, eis que o PSD, já depois de acertar connosco, não chegou sequer a submeter qualquer proposta de actualização de preços (importa aqui realçar, que existem 230 deputados no parlamento, mas a quase totalidade está lá para cumprir ordens dos deputados chefes, os quais por sua vez cumprem ordens de quem manda nos partidos, pelo que presumo que este foi um exemplo do que terá acontecido. Outra possibilidade é ter sido apenas a rebaldaria que por lá sucede e ninguém falou com ninguém o que é muito comum). Entretanto o CHEGA que tinha várias propostas para apresentar, uma delas com aumento de preços bem definidos, retirou também a proposta. Porque terá sido? Mistério. No entanto, entregou várias propostas das quais destaco duas:

1. Uma a propor que fique na lei do Orçamento do Estado a obrigatoriedade do Governo actualizar os preços dos cuidados continuados com base na inflação do ano anterior (já decorre da lei esta obrigação, mas está apenas em portaria, a qual os Governos sistematicamente revogam para não aumentar qualquer valor). O PS durante 8 anos votou sempre contra aumentos quando estava no Governo, agora na oposição absteve-se, o mesmo fez a IL, o PCP (no passado ora votava contra, ora se abstinha) e o Livre. O CDS e o PSD que dantes propunham aumentos, agora que suportam o Governo votaram contra (pelos vistos vão revogar a portaria tal e qual o PS fazia caso contrário votariam a favor). Só o CHEGA e o PAN votaram a favor. O Bloco de Esquerda continua coerente, vota sempre contra, pois entende que não devíamos sequer existir.

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2. A outra proposta consiste em aumentar para 250€/dia o valor a pagar à única unidade de cuidados pediátricos que existe no País (porquê propor aumento de preços para esta tipologia e não para as outras, se até já tinha a proposta feita?). PS, BE, PCP e Livre abstiveram-se. PSD, CDS-PP e CHEGA votaram a favor. O valor a pagar desde 2016, e que nunca tinha sido actualizado, era de 161,33€. Passa agora para 250€, um aumento de 55%.

Entre 2011 e 2018 as 4 tipologias de cuidados continuados não tiveram qualquer aumento. Em 2019 tiveram 2,2%. Em 2020 e 2021 (Pandemia) nada. Em 2022 foi de 2,4%, em 2023 de 4%. Ou seja, com a subida exponencial de custos derivados da Inflação, Pandemia, Crise energética e sobretudo de salários, está bom de ver por que razão já fecharam algumas Unidades por insolvência e outras estão à beira de encerrar. Não faço ideia de quais são os custos da Unidade pediátrica, sei que estão igualmente numa situação difícil e tenho lutado por eles. Mas sei os custos das outras, graças a 3 anos de estudos da Faculdade de Economia do Porto às contas das Unidades, são elevadíssimos e precisavam de aumentos na ordem dos 25%. Acresce que o valor a pagar por uma cama de paliativos de adultos é de 118,04€, ou seja, menos de metade de uma cama pediátrica. A questão que se coloca é a seguinte: mas uma cama pediátrica é assim tão mais cara que uma cama para adultos? Mesmo em paliativos? Sabendo que os recursos humanos são o maior custo, basta consultar a legislação para perceber que nos cuidados pediátricos os recursos humanos são semelhantes aos dos adultos. Então o que explica a diferença de pagamento para o dobro? 7.500 euros por mês? A resposta não é lógica, apenas a demagogia dos deputados e algo mais que eu não tenho capacidade clínica para avaliar.

Este aumento de quase 55% a apenas 17 camas pediátricas no País e zero às outras 9.700 camas diz bem da demagogia dos partidos em geral (em particular PSD e CDS-PP, mas também do CHEGA) e da hipocrisia do PSD e CDS-PP que quando estavam na oposição defendiam aumentos, agora que suportam o Governo, votam contra. Para os cuidados pediátricos conseguiram fazer contas sobre os aumentos a dar (gostava que as contas fossem tornadas públicas), para os outros precisam de mais 6 meses para avaliar. O anterior Governo também tinha o discurso dos 6 meses para um grupo de trabalho avaliar. Passaram 9 anos e nada foi avaliado. Ou seja, mais conversa, mais do mesmo. Dizem que foi Eça de Queiróz (não se sabe ao certo) que afirmava “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente pela mesma razão”. Ora, bom mesmo seria que deixássemos de ter políticos pois as fraldas continuam a fazer falta.

Digo muitas vezes às pessoas com quem convivo que não fazem ideia da fraca qualidade que prolifera na classe política, nalguns casos mesmo um intelecto sofrível. Desde Ministros, Secretários de Estado, Deputados, pessoal dos gabinetes, etc… a maioria são especialistas em saber coisa nenhuma. Regra geral são pessoas que nunca trabalharam a sério na vida, que vivem numa bolha e não têm a mínima noção do País real, que legislam e tomam decisões profundamente contrárias àquilo que seria o certo e razoável. A população, na sua maioria, acha que quem ocupa estes cargos são pessoas bem preparadas. Nada mais errado, são precisamente aqueles que não têm capacidade de singrar na vida que se colam que nem lapas aos partidos e ao poder para terem cargos bem remunerados, porque caso contrário, nem emprego tinham.

Poderia contar muitas histórias de experiências que vivi, mas não cabem neste espaço; desde ditar um discurso ao telefone a um deputado, passando por muitas outras coisas caricatas que dão vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Quem sabe um dia não escrevo umas memórias. Em 50 anos de Parlamento nunca vi nenhum deputado com conhecimentos autênticos e significativos sobre o terceiro sector. Nem sequer um que se esforçasse em deter esse conhecimento. O mesmo acontece com Ministros e Secretários de Estado. Falo com estas personalidades e misturam constantemente deficiência mental com saúde mental, Lares de Idosos com Cuidados Continuados, entre outras confusões, numa clara demonstração que não percebem nada sobre áreas em que depois vão legislar e tomar decisões importantes. Incrível, não é?

Para terminar e terem uma ideia de como somos governados, a Ministra da Saúde apresentou um Plano de Emergência para a Saúde. O Plano fazia referência ao número de internamentos indevidos nos hospitais. E qual o número? O que constava era o que a Associação de Administradores Hospitalares tinha divulgado uns dias antes. Correto? Não. Dois hospitais não responderam ao Estudo, logo os números deveriam ser superiores e o Ministério deveria tê-los. É assim… Portugal. E já agora, não deveria um qualquer Ministro ser o principal detentor das ideias que quer aplicar? É preciso contratar uma empresa de consultores para desenhar as medidas? Ah, e por sua vez os consultores ligam-me a pedir opiniões e para esclarecer dúvidas.

E assim vai Portugal. Ou melhor, não vai nem nunca irá a lado nenhum. Conformem-se. Eu já o fiz há muito tempo. Coisa diferente é desistir de lutar e isso eu não faço.

PS: Escrevo este artigo no Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. É mais um dos sectores subfinanciados, sobretudo nas escolas (ver meu artigo da semana passada) e para os quais a classe política se está a borrifar.