A sociedade portuguesa está profundamente doente, sem soluções políticas, num empobrecimento relativo galopante face às suas congéneres europeias e com uma evidente falta de perspectivas para o futuro. Há quem queira negar isto e pensar que o PRR e (mais) uma governação socialista farão Portugal dar o salto que necessita. Não acontecerá. As greves e os protestos dos professores são apenas a ponta do iceberg de uma população descontente e que, na maioria dos casos, caso tivesse a oportunidade e os meios, juntar-se-ia aos protestos. Não faz greve quem quer, faz greve quem pode.
Ao contrário do mito propagado pela própria classe, os professores não são mal pagos no contexto português. De acordo com os dados oficiais, um professor em início de carreira, com horário completo, recebe 1589 euros brutos, independentemente de ter já um lugar permanente no quadro da função pública. Utilizando os mesmos dados, um enfermeiro, também em início de carreira, ganha 1268 euros. Se compararmos com os dados do Eurostat, verificamos que esta remuneração coloca os professores, logo no início da carreira, acima do rendimento mediano em Portugal e na mediana do rendimento dos trabalhadores que frequentaram o ensino superior. Serão isto bons salários? Obviamente que não. Para além de insatisfatórios, pagam uma carga (relativa) de impostos muito elevada o que, na prática, significa um empobrecimento da classe docente. No entanto, este é o modelo político e económico que os Portugueses reiteradamente escolhem nas urnas há décadas, com os resultados que estão à vista.
Um dos pontos fulcrais dos protestos dos professores é a recuperação da dignidade perdida nas últimas décadas. Por um lado, essa perda de dignidade é culpa dos próprios professores, os quais, ao longo de décadas, deixaram-se instrumentalizar pela FENPROF e sacrificaram as suas reivindicações no altar da estratégia maior do PCP. Por outro lado, a perda de dignidade não está confinada aos professores. Ela é, isso sim, partilhada por inúmeras profissões que, há décadas, ofereciam um acesso a uma classe média sólida e socialmente respeitada e, actualmente, oferecem apenas o acesso a uma situação laboral e social precária e sem perspectivas de futuro.
Naturalmente, existem pedidos da parte dos professores que são completamente razoáveis, como a organização das colocações de forma mais racional, de modo a diminuir as deslocações. Havendo vontade política, esta medida não é difícil de realizar e não parece carecer de grandes custos financeiros. Por outro lado, existem exigências por parte dos professores que são completamente irrealistas, nomeadamente a recuperação do tempo de serviço. Em primeiro lugar, é-me completamente estranha a ideia de “tempo de serviço” enquanto mecanismo para subida na carreira. O tempo não deve ter qualquer impacto na subida de remuneração. Um professor mau e incompetente não tem qualquer motivo para estar num escalão superior aos 50 anos enquanto um professor óptimo e competente está num escalão mais baixo aos 35 anos apenas porque é mais novo.
Para além disso, os professores não podem pretender que a crise profunda de 2010-2014 não aconteceu. Com raríssimas excepções, todas as profissões viram o seu poder de compra e carreiras erodidas. Depois de ter beneficiado fortemente a função pública de forma indevida em 2016, com a suposta “reposição de rendimentos”, ignorando, olimpicamente, as perdas que o sector privado e os desempregos sofreram, seria um péssimo sinal que António Costa decidisse premiar retroactivamente uma classe profissional, tornando-a, na prática, imune à crise brutal que o país sofreu na última década.
Por último, apesar de ter o capital social e organizativo para lutarem pelos seus direitos, os professores têm uma responsabilidade social perante todos os portugueses. Deveriam utilizar a sua capacidade reivindicativa de forma mais contida. Dir-me-ão que o direito à greve é sagrado. Não contesto, como é evidente. No entanto, depois de três anos da pandemia, em que Portugal, ao contrário da propaganda, cometeu erros tremendos ao obrigar ao encerramento de escolas durante uma eternidade, sujeitar os alunos a mais um ano lectivo de caos, só prejudicará ainda mais os alunos. Pior, os mais pobres e com maior necessidade do bom funcionamento da escola pública serão os mais prejudicados. Os filhos de famílias afluentes estão já refugiados nas escolas privadas, onde poderão continuar os seus estudos de forma tranquila, perpetuando, assim, as desigualdades gritantes existentes em Portugal. Um aluno pobre, sujeito à pandemia e às greves dos professores, terá, na prática, quatro anos lectivos perdidos. Para uma criança que entrou no ensino básico em 2019/2020, isto significa que os primeiros quatro anos de escolaridade foram uma catástrofe. Os custos individuais e colectivos de tudo isto serão pagos, a prazo, por uma geração que teve a infelicidade de nascer neste contexto.