Ao olhar para os programas eleitorais dos principais partidos – nomeadamente aqueles que têm assento parlamentar –, não se consegue vislumbrar, na área da Justiça, muito mais do que foi proposto em 2019. A conclusão geral é, infelizmente, a mesma obtida então: a Justiça mantém-se como o parente pobre dos programas eleitorais.

Ela surge, e com muito alarido, nas questões da prisão perpétua e em especial da corrupção.

Palavra e conceito que os portugueses adoram odiar – e fazem muito bem – mas que acaba por servir apenas como mais um argumento para os partidos esgrimirem nos debates televisivos. Ou seja, a Justiça aparece quase que reduzida a um mero elemento de arremesso político, muitas vezes despido de conteúdo.

Como se fará o combate à corrupção? Com que meios humanos e financeiros? E é na resposta a esta questão que entram em cena os verdadeiros problemas da Justiça aos quais os programas partidários continuam a não dar uma resposta efetiva hoje, como em 2019.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sublinhe-se a intenção positiva, por exemplo, do PSD de “reforma urgente da legislação administrativa e tributária, com uma forte simplificação dos processos e criação de um plano de contingência para recuperação de atrasos processuais”; do Livre de “Promover a rapidez e eficácia da justiça, através do reforço de mais juízes, funcionários judiciais e funcionários nas secretarias dos tribunais”; bem como da CDU aumentar o “investimento na Justiça, em recursos humanos, infraestruturas, equipamentos e outros meios”; e do PS de “Definir um programa plurianual de investimentos na área da Justiça e, em particular, concretizar os investimentos previstos no PRR com vista à modernização e digitalização dos serviços de Justiça”.

São boas intenções. Mas conseguirão sobreviver aos apertos orçamentais? Serão mesmo prioritárias? Ou ficarão relegadas para o fundo da extensa lista de medidas destes programas?

Faltam propostas concretas em relação aos meios humanos e tecnológicos alocados aos tribunais, que continuam escassos, sendo uma das causas da tão falada morosidade da Justiça.

Mas os problemas da Justiça não se esgotam nos tribunais. Existem outros agentes, nomeadamente os Advogados, que enfrentam questões fraturantes neste momento.

No caso concreto dos Advogados, a proposta de lei do grupo parlamentar do Partido Socialista em matéria de ordens profissionais, abre a porta à inadmissível intervenção política nas ordens profissionais, algo que nem durante o Estado Novo aconteceu. E os programas eleitorais nada dizem sobre esta a ingerência política na sociedade civil.

Outro exemplo flagrante da desvalorização da Justiça é a não atualização da tabela de honorários dos Advogados que integram o Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, vulgo apoio judiciário. Os dois principais partidos – PS e PSD – passam ao lado desta questão, mas à esquerda a questão foi notada, e existem do Bloco de Esquerda, do PAN, da CDU e do Livre. É de aplaudir mas, ao mesmo tempo, é preciso ser realista. São partidos com menos representação parlamentar e a Justiça não está na primeira linha do seu combate político. Uma nota adicional para a ideia defendida pelo Bloco de Esquerda que propõe a criação de um Serviço Nacional de Justiça: parece perigosa pela funcionalização da Advocacia que ameaça a sua independência e autonomia, características essenciais à sua natureza.

A não valorização do Advogado, que tem por missão a defesa dos direitos dos cidadãos mais carenciados, é demonstrativa da pouca relevância que é atribuída a estes direitos.

Outro exemplo desta irrelevância consiste na não obrigatoriedade da constituição de Advogado em todas as fases dos processos de família e para todos os intervenientes – crianças e jovens incluídos – pois só assim haverá exercício consciente dos direitos previstos na lei.

A desproteção do cidadão perante a crescente oferta de “serviços jurídicos” prestados por quem não está técnica nem legalmente habilitado a fazê-lo é outro tema ignorado nos programas eleitorais.

É preciso olhar para a Justiça e para os seus agentes de forma mais ‘intencional’ e não apenas como mais um argumento político que resulta num sound bite para arrecadar mais votos.