“Um motorista de autocarro em Estocolmo ganha cerca cinquenta vezes mais do que o seu colega de Nova Deli”. A citação, em tradução livre, é retirada do livro “23 things they don’t tell you about capitalism” de Ha-Joon Chang, para desconstruir a tese de que o salário é determinado pela produtividade.

Claro que quem conhece Estocolmo e Nova Deli conclui de imediato que, em matéria de qualificações, é preciso ser um condutor muito mais ágil e atento, ao segundo, na Índia do que na Suécia. O que explica a diferença salarial está nas limitações à imigração – conhecidas pelos economistas como barreiras à entrada – mas também na organização da sociedade e nas diferenças de produtividade entre os que ocupam as funções mais qualificadas na Índia e na Suécia.

Além das limitações à imigração, o bom funcionamento das instituições e quem está na liderança delas e das empresas são os factores mais importantes para explicar a diferença salarial entre o motorista sueco e o seu colega indiano. E não a produtividade individual comparada dos dois motoristas, já que essa é basicamente igual. Em linhas gerais e simples é esta a tese de Ha-Joon Chang.

“Poucas pessoas ricas dos países pobres percebem que os seus países são pobres não por causa dos pobres mas por causa deles [os ricos]”. As palavras são de Chang. E conclui: “é a [baixa] produtividade dos ricos dos países pobres que dita a baixa produtividade do país” quando comparada com a dos países mais ricos. Ou seja, a produtividade dos motoristas de autocarro ou outra qualquer profissão com salários mais baixos não pode ser muito mais melhorada. Os que têm as profissões com melhores salários e mais qualificadas, esses sim, podem ter, nos países mais pobres, produtividades mais elevadas.

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Uma boa medida para a baixa produtividade dos “mais ricos” em Portugal – aqui entendidos como os que recebem salários mais elevados – pode por absurdo ser a diferença entre o salário de um motorista português e, digamos, sueco. No limite, e tendo como referência a tese de Chang, a responsabilidade dos baixos salários que se praticam em Portugal é de quem lidera o país e as empresas. Uma forma diferente de dizer que o problema do país está no mau funcionamento das instituições e na falta de qualidade das lideranças políticas e empresariais.

Além disso, enquanto nos países ricos, os que ganham menos recebem relativamente mais do que é a sua produtividade – beneficiando da elevada produtividade do país como um todo, que é garantida pelas lideranças -, nos países pobres quase se pode dizer que é o contrário: a remuneração das lideranças das empresas ultrapassa a sua produtividade, ou seja, ganham mais do que deviam.

É aqui que chegamos aos salários da CGD, oportunidade para se falar dos salários dos gestores portugueses. Em termos gerais, o presidente da CGD – até ao fim do ano António Domingues e a partir de Janeiro Paulo Macedo – levará para casa cerca de 15 mil euros por mês. (A conta está basicamente feita assim: 423 mil euros por ano a dividir por 14 meses e retirando cerca de metade para impostos). Isto significará que leva para casa entre 15 a 16 vezes mais do que o trabalhador que ganha menos na CGD. Assim sendo, deve acrescentar à CGD entre 15 a 16 vezes mais valor do que os seus colegas de trabalho com o salário mais baixo – admitindo que o salário mínimo não é ali praticado, caso contrario o rácio salta para 30. Será isso possível? Acrescentar 15 vezes mais valor do que quem está no nível mais baixo da tabela?

Claro que este rácio de 15 nada é quando se compara com os Estados Unidos – onde se chega aos 300. E há seguramente empresas em Portugal onde a diferença entre o salário mais alto e o mais baixo ultrapassa largamente o que se vai praticar na CGD.

O critério usado pelo Governo foi o da mediana do sector: metade dos líderes da banca ganha mais do que o presidente da CGD. Mas esse é um critério que replica o erro. Há gestores da banca que, pelos resultados, podem estar a ganhar o que merecem mas outros ainda têm de o provar. Além disso, todos acabam por ganhar mais do que é realmente a sua produtividade se levarmos em conta a produtividade do país, que é também um peso que deviam carregar, como acontece com quem está na base da pirâmide salarial.

Argumentos como o da lei da oferta e da procura – a escassez de talentos – não colhem para justificar esses salários, pela mesma razão que não justificam a diferença salarial entre o motorista sueco e indiano. Só com um concurso internacional, aberto a qualquer pessoa do mundo, é que se podia justificar um salário elevado com a escassez de talento. A falta de pessoas para o lugar, como justificação para salários milionários, só explica em casos como o de Cristiano Ronaldo que tem o mundo como mercado.

Apoiar salários elevados na gestão das empresas é contribuir para o agravamento da desigualdade em Portugal, é ver o topo da pirâmide a apropriar-se do valor criado pela base e é, no limite, não criar os incentivos certos para o aumento da produtividade do país. Como diz Chang, são os ricos os responsáveis pela pobreza dos países pobres, são eles que têm uma produtividade mais baixa do que os seus colegas dos países ricos. Não é popular nem é populismo, é a distribuição do bolo que temos, que é pequeno por causa da baixa produtividade.