Em 2022, quando António Costa venceu as eleições legislativas com uma surpreendente maioria absoluta, houve quem, com fundamento, vaticinasse uma crise profunda e irreversível no PSD. Os sociais-democratas tinham-se transformado, em definitivo, num partido médio, sem vocação maioritária, condenado a ser um satélite dos socialistas. O PS tinha ocupado o centro do tabuleiro político e alcançado a tal mexicanização do regime que muitos à direita temiam. Sabemos hoje como esses vaticínios, apesar de fundamentados, eram precipitados. Em política, nada, mesmo aquilo que parece mais evidente, é definitivo.

Ainda assim, ficará para sempre a dúvida sobre o que teria acontecido ao equilíbrio de forças se o calendário eleitoral não tivesse sido precipitado, se António Costa não tivesse caído como caiu e se o PSD tivesse atirado Luís Montenegro borda fora para fazer regressar Pedro Passos Coelho como se preparava para fazer. Existe um antes e um depois do 7 de novembro. De repente, com a queda de António Costa, a política portuguesa como a julgávamos conhecer parece ter mudado por completo.

O centro-direita governa nos Açores, na Madeira e em Lisboa. Também governa no Porto, Braga, Aveiro e em Coimbra. Não é coisa pouca. Tem um Presidente da República e tem um Governo. E só não cumpre o sonho de Sá Carneiro (uma maioria, um governo e um Presidente) porque tem à sua direita 50 deputados com quem Montenegro não conta, nem quer contar. Todavia, para lá de todas as alianças circunstanciais que possam existir no Parlamento entre PS e Chega, por muito bloqueado que possa estar Montenegro, esses 50 deputados também não contam para o ábaco real dos socialistas. Antes pelo contrário: quanto mais força tiver André Ventura, mais dificuldades terá o PS em conseguir uma maioria à esquerda que lhe permita exercer o poder.

Na Madeira, nem o pior resultado de sempre do PSD fez com que o PS, num contexto altamente favorável, fosse além de um resultado medíocre. Nos Açores, José Manuel Bolieiro parece ter posto fim, em definitivo, à hegemonia de 20 anos de poder socialista. Em Lisboa, depois do êxodo europeu de Marta Temido, não parece existir nenhum projeto sólido de alternativa a Carlos Moedas. No Porto, o PS arrisca-se a perder o comboio da sucessão de Rui Moreira porque continua sem se entender dentro de portas – a velha rivalidade entre Manuel Pizarro e José Luís Carneiro pode voltar a fazer das suas.

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Nas presidenciais, os sonhos de uma candidatura conjunta à esquerda são muitos, mas os protagonistas rareiam – António Costa e António Guterres, os desejados, já se puseram fora da corrida e todos os outros que vão sendo falados parecem fraco consolo. Pelo contrário, existem três ou quatro figuras do centro-direita em condições reais de vencer as próximas presidenciais e prolongar a hegemonia do PSD em Belém por mais dez anos.

Por isso é que estas eleições europeias são tão importantes para os socialistas: são as únicas que, a esta distância e com alguma dose de realismo, podem aspirar vencer. Uma vitória é tudo o que Pedro Nuno Santos precisa para dizer que o PS está vivo e que a vitória tangencial de Luís Montenegro foi isso mesmo, tangencial, um erro de cálculo, um acidente de percurso. Uma derrota, cinco anos depois de ter humilhado o PSD (nove contra seis eurodeputados), seria sinal de que a crise do PS é mesmo estrutural, de que o país, que tantas vezes se diz ser de esquerda, virou sociologicamente à direita.

A tendência é para que esta dinâmica se aprofunde porque o campo deixou de estar inclinado para o lado do PS. Em menos de dois meses, Luís Montenegro já usou a sua posição de primeiro-ministro para seduzir os mais velhos, os mais jovens, a classe média e os professores. Seguir-se-ão outros, sem esquecer as respostas para imigração e assim segurar uma parte da direita. Paulatinamente, Montenegro está a estender a mancha laranja por todos os segmentos eleitorais que verdadeiramente importam. Tudo pode ruir a qualquer momento, é certo. Mas Montenegro está a adquirir umas quantas apólices de seguro.

Logo, Pedro Nuno Santos precisa de uma vitória nas europeias para ganhar balanço, chumbar o Orçamento do Estado, precipitar uma crise política e lutar pelo país. É a única forma de tentar agarrar o poder a curto prazo. E, já agora, de proteger a sua liderança — as facas já se vão afiando no Largo do Rato. ‘Avaliaremos se fica ou não em risco’, sugeriu Pedro Silva Pereira, na última entrevista que deu ao Observador. Está dado o primeiro aviso.

Pedro Nuno Santos entrou na fase sua João Pinto. Reza a lenda que, certo dia, depois de um jogo, o histórico lateral direito do FC Porto anunciou o seguinte aos microfones: “Quando estávamos à beira do abismo, tomámos a decisão certa: demos um passo em frente”. Como João Pinto, o socialista saberá que, ganhando ou perdendo as europeias, está perto do abismo. No futuro, pode ser confrontado com uma inevitabilidade: avançar para ele e rezar pelo melhor.