Luís Montenegro, líder já entronizado do PSD, tem diante de si os trabalhos de Hércules. Não porque o PSD esteja em risco de extinção, mas porque a vocação do PSD é a governação.

O PSD perdeu eleitorado durante os mandatos de Rui Rio: foram quatro derrotas consecutivas. Parte deste eleitorado não voltará. Parte poderá voltar: aqueles que trocaram o PSD pelo PS por não haver uma clara cerca sanitária ao populismo do Chega; os que encontraram na Iniciativa Liberal a reação adequada à falta de disputa e de oposição à governação socialista. Não duvido que Rui Rio tenha querido fazer o melhor pelo país e pelo partido, mas nem por isso a sua herança é menos pesada: uma maioria absoluta socialista e uma oposição entregue à direita populista e anti-democrática.

(Jorge Moreira da Silva, um homem com qualidades, com pensamento e competências executivas, cujo futuro político aguardo, teve, infelizmente, como mandatária em Lisboa Ana Rita Cavaco, quem mais exuberantemente sinalizou o oposto daquilo que Moreira da Silva é e defende, ambiguidade reforçada com o seu alinhamento-contra alinhamento com Rui Rio.

Se as eleições antecipadas nos mostraram alguma coisa, foi o que os eleitores não querem em tempos mais exigentes: instabilidade política e falta de clareza.

Acredito que Jorge Moreira da Silva não será, como afirmou, líder de qualquer facção: o PSD terá ele próprio aprendido a dura lição «socrática» de uma liderança instável.

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Espero que a lição de Jorge Moreira da Silva aproveite também a Luís Montenegro. No seu discurso, não rejeitou o eleitorado do Chega, os mais vulneráveis, os excluídos, mas sim o populismo anti-democrático, «xenófobo e racista», que enforma aquele partido. Convinha, no entanto, ao líder do PSD ser inequívoco no discurso e nas acções. Aliás, a moção de André Ventura, que capitalizará se continuar a liderar a oposição, é experimental, é de teste tanto quanto de censura: quer avaliar a posição do PSD.)

Doravante serão provados o PSD e o seu líder como força de oposição ao imobilismo socialista, à sua infiltração na coisa pública, à apropriação e degradação institucionais. E também serão provados na sua capacidade de convergência em matérias obrigatórias: a revisão constitucional; a alteração da lei eleitoral. Bem como na colocação política do centro-direita na relação com o populismo e a extrema-direita.

A governança do PSD é, historicamente, estrutural e reformista: concorde-se ou discorde-se daquilo que faz, o PSD faz. Foi assim com Sá Carneiro. Foi assim com Cavaco Silva. E foi assim com Passos Coelho. Sabemos que cometeram erros, alguns graves. Mas antes errar por fazer do que errar por nada fazer enquanto o país se afunda em todos os indicadores internacionais, medidos com isenção, ainda que sujeitos à engenharia socialista.

Espero que Luís Montenegro compreenda que é preciso devolver a esperança aos portugueses que a perderam. À geração mais diferenciada de sempre que emigrou e nem pensa regressar. Aos que ficaram e se arrependem todos dias de não ter saído. E aos não têm meios para lutar por si mesmos nem quem defenda os seus interesses e, de facto, nem têm voz. Esperam-se reformas: SNS, Segurança Social, emprego, salários. Confiança institucional – também por isto, no discurso de Montenegro, foi importante a referência à oposição ao referendo da regionalização. É impensável criar-se mais uma camada administrativa quando é mais eficaz, ainda que não satisfaça a partidarite crónica, aumentar o poder dos municípios reforçando-lhes o poder económico e a autonomia.

Luís Montenegro está fora do parlamento. Ainda bem: Portugal também está.

O país que deu a maioria absoluta ao Partido Socialista já não existe – a bem da verdade, nem aquele Partido Socialista existe já, é outro, como Pedro Nuno Santos e António Costa, os protagonistas da última crise da semana, demonstraram. O PS não governa em cenários económicos críticos e é neste cenário, para além de qualquer bazuca, que estamos. O país que existe, o país que temos é o das urgências fechadas, das listas de espera infindáveis, de uma burocracia esmagadora, um país sufocado pelos baixos rendimentos, pelas taxas e pelos impostos, pela assimetria social, pela desigualdade de oportunidades. A este país ainda é preciso somar a inflação, o custo de vida, e o que cedo ou tarde chegará a casa de todos os que conseguiram comprar casa a crédito no meio da crise da habitação: juros galopantes.

O país, palmo a palmo, fora do parlamento, é o país pelo qual Luís Montenegro e o PSD têm de lutar.

O PSD é o mais inclusivo dos partidos. Não fora e as suas lutas internas não teriam feito manchetes. Do centro ao centro-direita este espectro da democracia plural fez dele casa: os mais e os menos conservadores; os cristãos e os humanistas sem religião; os mais liberais e os mais estatistas. A plataforma comum foi, quase sempre, a visão europeísta de desenvolvimento económico entre a social democracia e a democracia cristã. Talvez por isso a acusação recorrente de subordinação da ideologia à realidade. Não deixa de ser verdade. A maior parte do eleitorado tradicional do PSD é feito de gente que prefere o bom senso e a moderação, a estabilidade que permite o emprego, a habitação, a educação dos filhos, mobilidade social ascendente de geração em geração, ou seja, gente que prefere a desprezada arte do possível em detrimento de purismos e de utopias de elevadíssimos custos em vidas e liberdades.

Hoje, as notícias de um PSD unido, liderado por Luís Montenegro, com Carlos Moedas à cabeça do Conselho Nacional, são boas. Amanhã, ainda não sabemos.