O ocidental entrou na barbearia e, nesse exacto momento, o dono obrigou o local, que estava sentado a cortar o cabelo, a sair da cadeira. O cliente que acabava de entrar prometia um preço mais alto e muito provavelmente uma boa gorjeta. É uma história real que de forma quase caricatural nos dá uma imagem de detalhes do quotidiano que sofrem com o turismo. Multipliquemos este efeito pelas várias vertentes da vida, afectadas pelo número absurdamente elevado de turistas em alguns locais. E assim percebemos porque é que o turismo de massas começa a ser rejeitado, em alguns casos de forma violenta, em Barcelona, nas ilhas Baleares, em Amesterdão, em Quioto ou até em Sintra.

No domingo dia 21 de Julho, cerca de 50 mil pessoas, de acordo com a  CNN, manifestaram-se na ilha de Maiorca pedindo um modelo diferente de turismo. Em Barcelona, os turistas são atingidos com pistolas de água. Amesterdão tem uma campanha dirigida a quem tem entre 18 e 35 anos, nomeadamente ingleses, avisando que se forem para a cidade criar conflitos serão multados e presos e, por isso, avisam “stay away”. Sintra tem um movimento o QSintra apelando a turismo de qualidade e não em quantidade. Em Quioto, no Japão, há ruas no bairro das gueixas com o acesso condicionado a turistas por sucessivos comportamentos que não respeitam as regras básicas.  Também no Japão, a cidade de Fujikawaguchiko resolveu colocar barreiras e uma cortina para bloquear a vista para o monte Fuji, depois de ter tentado tudo para moderar os turistas – e a iniciativa foi tomada apesar da dependência que a localidade tem do turismo. E na Suiça, o acesso ao lago Riffelsee, em Zermat, está agora condicionado para proteger a flora local.  São apenas alguns exemplos.

Além do turismo de massas, que tem o seu efeito mais significativo através dos grandes barcos de cruzeiro, o mundo enfrenta um novo turismo com efeitos igualmente nefastos, os “instagramers” em busca da fotografia perfeita, sem olharem aos danos que podem causar. Somam-se ainda, ao turismo, as políticas de atracção dos designados nómadas digitais, jovens adultos bem pagos com impactos muito semelhantes nas comunidades locais, designadamente no que diz respeito ao custo de vida e ao preço das casas.

As políticas públicas têm estado em geral indiferentes às consequências do turismo em excesso na vida da população, só começando agora a reagir em alguns países, mas não em Portugal – onde este Governo até recuou no Alojamento Local. E as consequências no país são já bastante visíveis, não se limitando aos temas mais graves, como a habitação, ou que provocam uma degradação da qualidade de vida em geral dos locais, como acontece em Sintra onde quem lá vive se sente no meio de um parque temático.  Há outros efeitos menos visíveis, como nos transportes públicos. Tente-se, por exemplo, apanhar um autocarro, pela manhã, do Cais do Sodré em direcção a Belém para se perceber como o turismo, sem um ajustamento adequado da oferta, tem impacto na vida de quem quer ir para o trabalho e anda de transportes públicos.

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A razão pela qual os governos têm desvalorizado os efeitos do turismo na vida dos locais pode ser encontrada na necessidade que os políticos têm de obter resultados no curto prazo, desvalorizando os efeitos negativos a médio e longo prazo. Vale a pena ler Ricardo Pais Mamede no Público sobre os efeitos estruturais do turismo e a razão pela qual os governos lhes fecham os olhos. A irracionalidade é tal, ou o poder do sector, que das 60 medidas do programa Acelerar a Economia, 17 são dirigidas ao Turismo quando manifestamente não precisa de ser dinamizado.

A reacção das populações, como aquelas a que se começa a assistir em Espanha e mesmo por aqui em Sintra, é a via para que os governos e os poderes locais comecem a levar mais a sério os efeitos que o excesso de turismo está a ter. Vendo-se perante a possibilidade de perder votos, na sequência de o excesso de turismo que, como têm dito os seus críticos em Espanha, beneficia alguns e prejudica a maioria, tornando a vida dos locais impossível, a classe política vai começar a reagir.

E o que se pode fazer? Há várias medidas que passam ou por actuar na quantidade ou no preço. Ricardo Reis, no Expresso, destaca fundamentalmente medidas do lado dos preços. Na prática é internalizar, através de taxas, por exemplo, os custos económicos que o turismo está a gerar. Ou seja, o preço que estão a pagar para visitar, por exemplo, Sintra, é inferior ao custo total da sua presença. Em alguns casos, no entanto, vale a pena pensar em limites quantitativos, designadamente quando se trata de destinos como ilhas. Por exemplo, Fernando Noronha, no Brasil, tem um limite de 132 mil pessoas por ano e 11 mil pessoas por mês. Também a subida ao Monte Fuji, no Japão, passou a ter limites mais apertados e preços mais elevados.

Outras medidas, como limitar a oferta de alojamento não pode igualmente ser colocada de parte. A quantidade de hotéis na baixa de Lisboa, além de descaracterizar a cidade, tornando-a também por isso menos interessante para os turistas, significa igualmente menos casas para os locais. O mesmo se passa com o alojamento local, que tem de ter obviamente limites, levando aqui em consideração o facto de se estar a actuar sobre micro-empresas – a intervenção tem de ser planeada para não colocar em risco o rendimento de uma família.

Tem ainda de se actuar sobre o tipo de turismo com maiores impactos negativos: os cruzeiros. Além do efeito ambiental, o retorno que dão aos locais que visitam é muito baixo já que são em geral pacotes de tudo pago dentro do navio. Neste caso a via mais eficaz é a do preço, elevando as taxas de entrada nos portos.

Ninguém quer obviamente acabar com o turismo, mas a dimensão que assumiu exige mais regulação, adequando nomeadamente o preço ao seu custo económico e social. Um turista gera receita nos restaurantes, nos hotéis e nos museus. Mas gera um custo não contabilizado associado às infraestruturas do país que utiliza, algumas das quais são indivisíveis – se eles as usam os locais não as podem utilizar -, o que acontece nos transportes mas também na habitação.

Os governos, o português e todos aqueles que enfrentam a pressão do turismo de massas, terão de lidar, mais cedo ou mais tarde, com este problema por via da revolta das populações. A próxima fase pode prejudicar o próprio sector, afastando os turistas. Vale mais gerir a procura do que de repente ficarmos sem ela. Porque os turistas também podem ficar fartos de irem a sítios onde só há turistas e onde começam a ser maltratados.