Saúde, educação, justiça, burocracia, instabilidade governativa e uma governação viciada em dar dinheiro e em medidas casuísticas é o que tem marcado o nosso último ano. Quando tínhamos todas as condições para ter políticas públicas que resolvessem alguns problemas, com maioria absoluta e dinheiro europeu, vivemos um ano de um Governo enredado em si próprio, nas suas demissões e casos. E mesmo quando se lança em políticas públicas, como aconteceu no pacote Mais Habitação, os efeitos parecem agravar mais os problemas, como se tudo o que não fosse dar dinheiro fosse feito sem a análise e o enquadramento adequado. Vale-nos o turismo e tudo o que está a ele ligado.

A Justiça em nada melhorou na sua forma e tempo de acção. Uma justiça sem tempo para se fazer justiça, mesmo para os leigos, passa a não ser justiça. Uma justiça em que estamos concentrados no mediatismo das buscas é justiça popular, não é Justiça, é uma causa e uma consequência da falta de eficácia na Justiça. Retirando todos os exageros, o que aconteceu a Rui Rio, ex-líder do PSD, é o exemplo dramático do estado a que se chegou na falta de justiça. E que trouxe ao debate um retrato que tem impactos graves nos nossos direitos, liberdades e garantias. Há muito trabalho a fazer que pode não passar por retirar poder ao Ministério Público. Ninguém pode é ficar anos e anos sem ser julgado e perceber sequer o que lhe aconteceu. Seja de quem for o problema, dos advogados ou do Ministério Público. E este é um tema em que o Governo fracassou em todas as frentes e corre o sério risco de ser vítima dessa sua incapacidade.

Na Saúde, agravada pela pandemia, sim, mas também pelas escolhas feitas pela ex-ministra Marta Temido – que, passada a sua popularidade, a história certamente revelará como umas das piores da nossa democracia – escolheu-se criar uma Comissão Executiva do SNS com um presidente com provas dadas, Fernando Araújo. Temos esta tendência de concentrar a nossa esperança numa pessoa. Pode ser que consiga, mas até agora só temos assistido a conflitos e medidas casuísticas. Talvez seja cedo para avaliar, mas precisamos de reorganizar o sector aproveitando toda a capacidade instalada e deixando para o SNS aquilo que ele sabe fazer melhor. É mais fácil de falar do que fazer. Certamente. Mas há escolhas que são necessárias, sem preconceitos e concentradas na resolução de problemas de forma livre.

A Educação oferecida pelo Estado degradou-se e hoje é um factor que nos lança para um agravamento futuro das desigualdades e uma segmentação da sociedade em bolhas que não comunicam, com as consequências que já vemos em países como os Estados Unidos. Quem tem dinheiro vai para o ensino privado, quem não tem fica no público. O poder que se foi retirando aos professores fará o resto, com pessoas que estão a trabalhar no ensino público a sentirem que trabalham para as estatísticas da OCDE.

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Nas políticas de combate às desigualdades reina a regra dos almoços grátis, com uma proliferação de apoios, mais recentemente de forma casuística, segundo o princípio de que “quando há dinheiro damos”.

No problema da imigração assistimos, tal como na Justiça, ao mediatismo inconsequente. As mais recentes operações nas zonas ribeirinhas do Tejo revelam bem como se faz um espetáculo sem que nada se resolva, porque não temos uma política activa de integração. As autarquias, pelo menos algumas, estão mais preocupadas com as festas que oferecem aos seus munícipes do que em perceber como vivem as pessoas que procuraram o País para, muitas vezes, sobreviver, sem o glamour dos nómadas digitais ou dos reformados com dinheiro. Valia a pena olhar para os erros que a França cometeu e hoje está a pagar caro.

Na frente geral da administração pública, todos os que precisam dela para tratar de assuntos com o Estado sofrem com a burocracia e falta de eficácia. Sim, aqui podemos considerar que pode ser a pandemia, que atrasou muitos actos – não é o caso dos tribunais administrativos e fiscais. Mas, e só para dar um exemplo, não se pode admitir que pessoas com deficiência estejam impedidas de ter acesso aos benefícios e empregos que a lei consagra porque os atestados de incapacidade estão atrasados.

O Governo tem sido incapaz de resolver os problemas e estes vão-se acumulando. É aqui que tem de estar a nossa maior preocupação. Sim, na frente económica e financeira está tudo a correr bem, graças ao turismo, que tem tido um efeito de arrastamento muito significativo sobre as outras actividades. Vê-se menos o impacto do PRR, mas podemos esperar também que o venha a ter.

O nosso problema é que uma nova crise vai encontrar o aparelho do Estado sem capacidade de apoiar os cidadãos. Porque o Governo se viciou a atirar dinheiro para os problemas.