Precisamente porque a violência domestica é intolerável, talvez tivesse sido prudente apurar para além de todas as dúvidas se, no caso do juiz Neto de Moura, o problema foi o juiz ou a lei. Mas o juiz, com as suas opiniões reincidentes, revelou-se irresistível. Só que, ao optar pelo magistrado, a indignação das redes sociais deu uma oportunidade aos oligarcas, que a agarraram logo. Foi assim que tivemos Rui Rio a usar Neto de Moura, não para reflectir sobre o quadro legal da violência nas famílias e nas relações, mas para justificar a urgência da submissão da magistratura ao poder político. Eis como a oligarquia tentou transformar activistas de redes sociais, comentadores de jornais e humoristas de televisão em idiotas úteis.

Durante décadas, a oligarquia enquadrou a população através de duas coisas: o medo do conflito político, depois dos traumas do PREC, e a expectativa de uma melhoria indefinida da vida, ainda iniciada sob a ditadura nos anos 60. Acontece que essas duas fontes de fidelização se esgotaram nos últimos anos. O medo do conflito foi dissipado pela garantia da UE, que permitiu a toda a gente começar até a desprezar o “centrão”. A expectativa de uma melhoria indefinida gastou-se com a estagnação do euro: simplesmente, não conseguimos ser competitivos sem desvalorização monetária. Para salvaguardar a sua ascendência, a oligarquia escolheu a via mais fácil: concentrar o seu apoio no Estado, clientelizando funcionários e reformados. A geringonça apenas tornou mais notória essa opção, ao cortar nos serviços públicos para pagar ao funcionalismo.

O que pode ameaçar o bunker que a oligarquia está a construir com as suas clientelas? A estagnação económica teve o efeito secundário de pôr Portugal de fora das correntes de migração que noutros países inspiram revoltas eleitorais. Por esse lado, como até agora sugerem as sondagens para as eleições europeias, os oligarcas nada parecem ter a recear.

Há, porém, três causas de apreensão.

A primeira é uma eventual falta de dinheiro, como aconteceu em 2011. A oligarquia, porém, acredita que o BCE a poupará a novas aflições. A segunda fonte de inquietação está na rivalidade e no conflito entre os próprios oligarcas. Mas para isso, também já há uma solução: a divisão regionalista do Estado, o equivalente doméstico da partilha colonial de África no século XIX. Cada facção terá o seu feudo regional, para gozar em descanso durante pelo menos uns vinte anos, a crer nos precedentes insulares. É a grande ideia de Rui Rio, que desde há um ano aspira a ser, mais do que líder da oposição, o mediador de uma super-geringonça. A regionalização será a paz entre os oligarcas, através da repartição dos despojos do Estado.

Mas há um terceiro motivo de preocupação: o poder judicial. Há anos, desde o processo da Casa Pia, que a oligarquia se encheu de medo com a ideia de uma “república dos juízes”, como a que desfez o “pentapartito” em Itália na década de 90 e, mais recentemente, o “mecanismo” do PT no Brasil. Em Portugal, os juízes já se atreveram a incomodar quem jamais imaginou poder ser incomodado. Tornou-se indispensável meter a investigação judicial na ordem. Daí a tentativa de usar a indignação com os acórdãos de um juiz para pôr o povo a aplaudir a subversão do Estado de direito. Na Hungria,  Viktor Orbán já foi certamente muito mais longe no domínio político dos tribunais.  Os nossos oligarcas não querem a sua companhia no Parlamento Europeu, mas no que diz respeito ao princípio do controle do poder judicial pelo poder político parecem destinados a permanecer muito próximos.

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