Em época natalícia e de balanço do ano parece oportuno começar por destacar a obra best-seller (no Brasil) em que Bruno Garschagen proporciona uma arejada leitura da história política brasileira até aos nossos dias: Pare de acreditar no Governo: Por Que os Brasileiros Não Confiam nos Políticos e Amam o Estado (Editora Record). Através desta bem escrita e bem fundamentada panorâmica, Garschagen procura explicar a paradoxal relação dos brasileiros com o Estado: não confiam nos políticos, mas depositam uma fé inabalável no Estado.
Com este livro, Bruno Garschagen – que é também académico e colaborador do Instituto Mises Brasil – afirma-se definitivamente como um dos nomes maiores da nova geração de pensadores brasileiros que prezam a liberdade e por isso desconfiam de todas as formas de estatismo, grupo onde pontificam também, entre outros, Rodrigo Constantino e Leandro Narloch. No prefácio ao livro de Garschagen, João Pereira Coutinho assinala correctamente que o paradoxo identificado no livro encontra eco na antiga Metrópole. Razão suficiente para subscrever o desejo formulado de que “meio milénio depois da viagem de Pedro Álvares Cabral” o livro “possa fazer a viagem em sentido inverso e chegar também a Portugal”.
Passando para recomendações nacionais, é de assinalar o trabalho de Filipe Santos Costa e Liliana Valente sobre o semanário Independente: O Independente: A máquina de triturar políticos (Matéria-Prima) é um relato equilibrado e importante para a compreensão da época e da realidade política e mediática nacional. O fenómeno Independente – com todas as suas virtudes, excessos e limitações – é em si mesmo um tema interessante, ainda que no contexto actual a impressão mais forte que fica do livro é porventura relativa a Paulo Portas. Num trajecto que tem tanto de ironia como de pathos, o actual líder do CDS tornou-se na exemplificação acabada de praticamente todos os vícios da classe política do regime que denunciou nos seus tempos de Independente. Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, entre muitas outras vítimas passadas de Portas, não deixarão certamente de esboçar um sorriso face a esta inescapável constatação.
No plano da ciência política, 2015 fica marcado pelo lançamento de Política Comparada (Cruz Editores) de Manuel Braga da Cruz. Aguardado há muito, o novo livro passa a ser inequivocamente a obra de referência em política comparada em Portugal. Pelo rigor e profundidade da análise apresentada, será leitura obrigatória para alunos e investigadores na área da ciência política e leitura recomendada para todos quantos desejem compreender melhor os temas abordados.
Também no domínio da ciência política, mas neste caso no âmbito dos clássicos do pensamento político, é de assinalar o lançamento, com a chancela da Fundação Calouste Gulbenkian de Reflexões sobre a Revolução em França, de Edmund Burke. Com tradução, introdução e notas por Ivone Moreira, esta edição passa a ser ponto de partida obrigatório para estudiosos de Burke em todo o mundo de língua portuguesa.
Num plano mais histórico e aplicado, merece realce a publicação em Portugal de O último estalinista – Santiago Carrillo (1915-2012) (Aletheia). Nesta obra, Paul Preston apresenta um retrato realista e revelador da figura central do comunismo espanhol no século passado. Sem cair na tentação de fazer um panegírico ou de racionalizações desculpabilizadoras que tantas vezes mancham indelevelmente este tipo de trabalhos (em especial quando estão em causa figuras marcantes do comunismo), Preston produziu uma investigação séria e equilibrada. Desde o controverso envolvimento nas atrocidades praticadas na Guerra Civil até à decadência e fracasso eleitoral das suas últimas iniciativas políticas, sem esquecer o seu papel central no “eurocomunismo”, vale a pena aprender e reflectir sobre o percurso do histórico líder comunista espanhol.
Para terminar, uma recomendação literária de ficção mas com enfoque em problemas contemporâneos bem reais. Em Submissão (Alfaguara), Michel Houellebecq apresenta um retrato simultaneamente irónico e incisivo da decadência intelectual auto-infligida da sociedade francesa (e ocidental). Com esta obra Houellebecq reforça o estatuto de alvo preferencial das brigadas do pensamento politicamente correcto e dos promotores da cultura do repúdio pela civilização ocidental mas esse, infelizmente, parece ser cada vez mais o preço a pagar nos dias de hoje por recusar ser submisso.
Votos de um Santo Natal para todos os leitores.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa