Conforme citei na semana passada, o jornal «El país» da vizinha Espanha explicou claramente por que razões “a festa do dinheiro acabou”. A isso acresce que as economias periféricas da União Europeia são as pior preparadas para o fim próximo do chamado “Quantitative Easing” (QE), ou seja, a compra gigantesca de dívida soberana que prossegue ainda na UE mas já terminou há dois anos nos Estados Unidos, onde a taxa de juro subiu entretanto para 1,25% enquanto na UE se manterá por algum tempo em zero por cento.
A razão por que os países periféricos, entre os quais Portugal, estarão entre os piores preparados para a mudança da política monetária mundial é que não fizeram as reformas que o “QE” era suposto facilitar, mas que a coxa coligação que hoje nos governa não só não fez como reverteu o pouco que o anterior governo ainda teve tempo de fazer durante a intervenção financeira dos nossos credores. Não fez e não fará reformas urgentes, de certeza até às eleições previstas para 2019, a fim de permitir à “geringonça” manter-se no poleiro.
Com efeito, o orçamento para 2018 acabou por se transformar num regabofe demagógico de promessas impossíveis de cumprir. Embora recomende que os partidos o “viabilizem”, é a antiga ministra Ferreira Leite quem garante, ao mesmo tempo, que “o orçamento é inviável”. São contradições que mostram o estado em que está o nosso sistema partidário!
O certo é que as reformas estruturais que o país necessitava ter feito ou foram desfeitas ou ficaram pelo caminho. Voltámos pois à estaca zero, isto é, à situação estrutural que acabou por levar ao resgate financeiro de 2011.
O crescimento iniciado em 2015 ainda se devia em parte às mudanças realizadas durante a intervenção da “troika” e indicava uma perda de 5 pontos percentuais do PIB per capita em relação à média europeia, ou seja, menos do que vários outros países. Hoje, o crescimento económico não só parece estar a fraquejar, perdendo Portugal produtividade e, portanto, competitividade externa, como fica abaixo da média da UE. Manifestamente, a economia portuguesa é hoje meramente puxada pelo ciclo mundial favorável. Tudo porque Portugal voltou ao início do século XXI e à estatização da sociedade através do emprego público e não só. O turismo e a especulação imobiliária são falsas alavancas que apenas fazem cair a produtividade média.
Neste contexto, perguntavam alguns leitores do meu anterior artigo quais as reformas estruturais de que o país carecia para não andar de novo para trás e, se possível, desestatizar a sociedade e deixar a economia desenvolver-se sem a intervenção proteccionista constante do modus vivendi dominante. O leitor Pedro Simões foi o primeiro a responder a outros intervenientes no debate com o seguinte comentário: “Reformar a economia, administração pública, segurança social, mercado de trabalho, mercado da energia, educação, ensino superior, justiça, administração interna, sistema eleitoral, regionalização”.
As reformas são essas e outras, dependendo de como fossem concebidas. O problema é que não serão postas em prática enquanto o actual governo durar. “Reformar a economia” seria em princípio algo que decorreria segundo os condicionamentos positivos e negativos do mercado, a começar pelo mercado do emprego e dos capitais. Dada a dimensão e exposição da economia portuguesa, isso significa que tais mercados são internacionais, europeus para começar, mas os parceiros do PS não lhe permitem reconhecer isso.
Segundo os especialistas ouvidos pelo El País, a crise financeira levou o sector privado, sobretudo o exportador, a fazer “importantes ganhos de eficiência graças à melhoria da produtividade devida à redução do custo do trabalho”. Ora, não é disso nem do previsível aumento gradual do custo do dinheiro que se ouve o PS falar e, consequentemente, do que acontecerá ao investimento privado e estatal, mas sim de reversões atrás de reversões, até que nada fique das lições que o país tinha aprendido!
A tudo isso acresce o fenómeno de envelhecimento sócio-demográfico crescente que Portugal vem conhecendo desde os anos 80 do século passado, causado não só pela emigração e pelo aumento da longevidade, mas sobretudo pela queda cada vez mais acentuada da fertilidade, fazendo de Portugal um dos países do mundo com a taxa mais baixa (1.23 por mulher em 2015)!
Ora, um grau de envelhecimento destes obriga a reconsiderar todo o sistema de reformas e pensões, conforme vários especialistas têm vindo a defender, assim como o financiamento e o funcionamento do sistema de saúde, o qual se verá cada vez mais pressionado pelas pessoas idosas se nada for feito. Ora, estamos a falar de perto de 50% do orçamento de Estado e mais de 2 milhões de pessoas com mais de 65 anos, mas nada de novo se vê neste campo, pois os governos estão presos pelos seus mecanismos clientelares. Imaginemos o que não será se e quando o ciclo económico se inverter.