Uma das maiores partidas que Salazar pregou às esquerdas foi não se ter deixado sepultar no Mosteiro dos Jerónimos. Imaginem a alegria que agora teriam as esquerdas, se pudessem dividir o país, como fizeram os seus correligionários do outro lado da fronteira, com a profanação do túmulo do general Franco. Em vez disso, resta-lhes pôr saias nos assessores nascidos com o sexo masculino (é assim que se deve dizer?), e esperar que dê fotos na imprensa e comentários nas redes sociais. Para além das saias, há a bandeira da República Portuguesa. Em 1910, para marcar a ruptura de regime, os antepassados carbonários da extrema-esquerda insistiram numa nova bandeira, com as cores da revolução. E é essa mesma bandeira que o esquerdismo, depois de a ter imposto ao país, agora acha “imperialista”, pelo menos na opinião dos fãs da deputada do Livre.
Em 1910, os revolucionários mudaram as cores da bandeira e eliminaram a coroa. No entanto, mantiveram as armas nacionais e adicionaram-lhes a esfera armilar. A ideia era ainda anexar a história que a bandeira contava. A extrema-esquerda de hoje, porém, não gosta dessa história. Todo o passado português lhe parece criminoso. Gostaria, por isso, de o apagar. Nada disto, aliás, é muito original. Decorre, de maneira muito pedestre, da colonização das universidades portuguesas pelo radicalismo académico americano.
Pensarão: mas não é isto um erro, que só pode hostilizar e ser estranhado pela maioria dos portugueses? Não é, porque esta extrema-esquerda não aspira a persuadir maiorias. O que lhe importa são umas dezenas de milhares de votos, sobretudo em Lisboa, que lhe sirvam para aceder aos subsídios do Estado. Esta, de resto, já não é a extrema-esquerda do COPCON, mas de António Costa, isto é, mais um alicerce do domínio do PS. Vota orçamentos de Estado aprovados em Bruxelas e acha os pobres racistas. Não fossem as saias e o ódio à bandeira, como se distinguiria um deputado de extrema-esquerda de um qualquer deputado socialista?
No outro extremo, a vida parece mais fácil. Bem sei que é costume haver muitas queixas em Portugal sobre a injustiça com que a direita é tratada (por mais democrática, é sempre fascista; por mais filantrópica, é sempre racista). Mas quando o que interessa, como no caso do Chega, é a fama de ruptura e de iconoclastia, essa tradicional má vontade contra a direita é muito útil. Pensem em André Ventura. O novo deputado não precisa de truques de indumentária nem sequer de grandes guerras simbólicas para passar por radical e perigoso. Pelo contrário, pode até permitir-se o luxo da moderação, como numa entrevista de ontem.
Que disse Ventura? Que se recusa a falar com a Alternativa para a Alemanha, que considera “um partido ridículo, extremista e desumano”; que pretende ser uma muralha contra esse tipo de extremismo em Portugal; e que quer que a deputada do Livre tenha mais tempo para falar do que os outros, porque “nós temos de ser tolerantes”. Eis a face hedionda do fascismo português. Eis a propostas tremendas que fazem os porteiros do regime exigir que na Escola Prática de Cavalaria de Santarém os Chaimites estejam de motores ligados, prontos a arrancar para Lisboa ao primeiro sinal de que Ventura vai obrigar mais um deputado do CDS a levantar-se. André Ventura poderia até dormir durante todas as sessões da próxima legislatura, confiante em que os deputados seus colegas nunca se esquecerão de o lembrar ao povo como uma opção para todos os que estiverem frustrados com o regime. Com que inveja deve a extrema-esquerda parlamentar, do BE e do Livre, olhar para o Chega.