Imagino a ansiedade que esta segunda-feira se respirava no gabinete da deputada Joacine Katar Moreira. Há um par de dias que Joacine não abria noticiários nem aparecia nas primeiras páginas. Alguém tem ideias? Uma mão levanta-se: que tal propor a evacuação de Lisboa e a sua devolução a Marrocos, com um pedido de desculpa pela conquista de 1147? Uma boa malha. Mas talvez seja melhor guardá-la para as férias de Verão. Que tal ficar agora pelas máscaras e manipansos coloniais? Há quem duvide: e se ninguém levar isso a sério? Joacine sorri, confiante: vocês não conhecem o André.

Do outro lado do corredor, André Ventura não precisa de se preocupar com a invocação do seu nome. A esquerda fez dele o gigante Adamastor do regime. A direita, aos gritinhos, renega-o de manhã à noite. Mas Ventura tem por regra nunca desperdiçar uma oportunidade. E lá fez a piada, a que o regime, tal qual o cão de Pavlov, reagiu como se o general Gomes da Costa tivesse saído outra vez de Braga. Quantas dezenas de deputados tem o Chega? Um. Mas nas cabecitas dos jornais e das redes, é como se fossem 200.

Enfim, já toda a gente percebeu a rábula da Joacine e do André. Na legislatura passada, o PAN apurou o truque: propor ou dizer qualquer coisa para alimentar chiliques de Conselheiro Acácio na imprensa e nas redes sociais, e gozar depois a notoriedade. Fica o mistério: porque é que todo o regime se presta a colaborar num teatrinho tão óbvio? Porque numa sociedade envelhecida e endividada, há a impressão de que não se pode fazer nada politicamente, e então dá-se prova de vida fingindo que estamos a defender a liberdade contra o “fascismo” ou contra o “politicamente correcto”. É a política na fase das indignações sem custos para o utilizador.

A quem serve tudo isto? Não é preciso procurar muito. Basta reparar na inusitada proposta socialista de fazer a Assembleia da República condenar um deputado. O cálculo, muito óbvio, era entalar os partidos da direita: obrigá-los a passar por “fascistas”, se não votassem, ou por “cobardes”, se votassem. Joacine e André são uma bênção dos deuses para o PS: ei-lo onde sempre tentou estar, como padrão de bom senso entre o “radicalismo” da esquerda e o “fascismo” da direita. Se Joacine e André não existissem, António Costa teria de os inventar.

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Perante Joacine, o PCP e o BE fazem o que devem: ignoram e estão calados. Porque é que a direita não tem a mesma inteligência perante Ventura? Porque caiu na  imbecilidade de usar o jogo do “fascista de turno”, como lhe chama José Ribeiro e Castro (“o fascista não sou eu, é ele”), nas suas disputas domésticas. O escândalo de Abel Matos Santos é exemplar. Durante anos, pertenceu à Comissão Política Nacional do CDS, sob a presidência de Assunção Cristas, que até aprovou a sua “tendência”. Sem problemas. Mas Cristas e o seu grupo perdem o poder, e eis Matos Santos subitamente promovido a “fascista”. “Este não é o meu CDS”, gritam alguns. Pois: mas não é por Matos Santos ser “fascista” que este não é o CDS deles. É ao contrário: é por o CDS já não ser deles que Matos Santos é “fascista”, porque enquanto foi deles, nunca os incomodou o que ele disse em 2012 (nem a eles, nem a ninguém).

Nada disto tem a mínima seriedade. Ninguém tenha ilusões: se Ventura um dia eleger 10 ou 20 deputados, fará parte de uma maioria de direita, como Miguel Pinto Luz já honestamente admitiu, pela mesma razão que o PCP e o BE fazem agora parte de uma maioria de esquerda: o que interessa para a democracia é, como o PS ensinou, quem manda nessa maioria, não quem a compõe. Mas até lá, porquê ajudar Ventura a eleger deputados? Se a direita continuar a dar a ideia de que é este pequeno recreio de tontinhos para quem o maior problema de Portugal é André Ventura, então o PS não estará no poder até 2027, segundo prevê José Miguel Júdice, mas até 2035, e com o país a dizer: “graças a Deus”, porque ninguém quer ser governado por patetas e pelos seus psicodramas.

P.S.: neste não-assunto convertido em assunto, quase só Rui Rio esteve bem.