Por norma, se há uma polémica entre o PCP e alguém, estou por alguém. Isso já me fez estar por alguéns pouco recomendáveis, mas não consigo evitar. É uma reacção pavloviana, na medida em que o PCP me faz lembrar um cãozarrão salivante, treinado em russo, que quer abocanhar a minha sandes. E o meu braço.

Porém, desta vez, em relação à Festa do Avante, estou pelos comunistas. Se sou a favor da normalização da vida social e do regresso das actividades habituais, para evitar um colapso ainda maior da economia, tenho de ser a favor da realização do Avante. Até porque, depois de ler esta reportagem da Sábado, ficou claro que o Avante é importantíssimo para a economia. Tudo bem que é a economia paralela, mas não deixa de ser economia. O dinheiro que circula informalmente é uma ajuda essencial aos orçamentos dos mais desfavorecidos, sejam eles biscateiros ou partidos políticos com património milionário. Jerónimo de Sousa tem razão, os comunistas são muito criativos. As diversas formas que o PCP arranja para receber em dinheiro vivo, sem passar factura, são bastante imaginativas. Até parece que recorre a uma empresa de planeamento fiscal, daquelas que costuma denunciar. Se calhar, têm o André Ventura como consultor. Como os liberais que despreza, o PCP quer menos impostos. A diferença é que os liberais querem reduzir os impostos que pagam através da reforma do sistema fiscal, enquanto os comunistas querem reduzir os impostos que pagam através do não pagamento de impostos.

Quando Jerónimo de Sousa disse que a Festa do Avante é “necessária para dar esperança e confiança na luta pelo futuro”, o que queria dizer é que o PCP vai vender esperança e confiança, mas como não há qualquer registo da transação comercial, é como se fossem dadas.

Nesse sentido, para perceber a polémica, o documento oficial que interessa não é o parecer que a DGS resistiu em mostrar, é o relatório da Entidade Reguladora das Contas e Financiamentos Políticos, que chama a atenção para a falta de transparência das contas do Avante. Através dele, percebe-se que a Festa é o projecto mais rentável do Partido. Aquilo que, na gíria das grandes empresas como o PCP, se designa como “cash cow”. Ao ver como esse investimento é defendido com tanto ardor, o meu anti-comunismo primário foi vencido pelo meu pró-capitalismo primário.

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As outras produtoras de festivais de Verão só se podem queixar de si próprias. Se tivessem um departamento de marketing e auto-promoção ao nível do dos comunistas, conseguiam fazer os seus eventos este ano. O PCP teve capacidade para se diferenciar, mostrando que o Avante é mais do que um Festival de Verão. Nesta edição homenageia os 150 anos do nascimento de Lenine. A Música no Coração podia, por exemplo, associar o Meo Sudoeste aos 60 anos do Grande Salto em Frente. Mudava de nome para Tiro no Coração, chamava ao festival Mao Sudoeste e punha aqueles DJs a pedirem para os jovens festivaleiros saltarem como camponeses chineses. Preferiu não arriscar, deixou que o PCP ficasse com o nicho dos ditadores e por isso este ano não abriu as portas.

Claro que não é a única razão para haver Avante. Existe, na opinião pública, uma grande confiança na capacidade organizadora do PCP. Pelo menos, farto-me de ler isso na imprensa. Num evento planeado e executado pelo Partido, não há falhas. Por mais gente que acorra à Atalaia, podemos contar com os comunistas para manterem a ordem. Se organizaram fomes com milhões de pessoas, também organizam praças da alimentação com alguns milhares. É mais fácil vender comida a clientes arrumados em fila indiana do que conseguir que multidões de famélicos jejuem ordeiramente.

Os próprios militantes comunistas são disciplinados e saberão cumprir as normas de segurança sanitária. No caso implausível de, por exemplo, haver quebra da distância social, sabemos que os vigilantes do PCP têm experiência para lidar com esses casos. É só pegar no, digamos, rigor com que costumam impedir a aproximação indevida entre homossexuais e aplicá-lo a toda a gente.

A capacidade de organização extraordinária do PCP faz com que as exigências da DGS pareçam ainda mais absurdas. Felizmente, o PCP não é apenas organizado, também é resistente e saberá dar a volta às contrariedades. A DGS reduz a lotação para 16 mil pessoas? Não faz mal: os comunistas respondem a tudo da mesma maneira, é impossível um fiscal perceber que há gente a mais ou se se trata apenas de um comunista muito mexido que está em todo o lado. A DGS proíbe a venda de bebidas alcoólicas depois das 20h? É indiferente. Se os visitantes não podem consumir bebidas que alteram a percepção da realidade, não há problema: bebe-se menos vinho, carrega-se mais no comunismo.